
Geopolítica da Inteligência Artificial
20/04/2025A formação do direito moderno é um processo complexo que se estende por séculos, marcado por profundas transformações políticas, intelectuais e socioeconômicas. Esse desenvolvimento envolveu a transição de modelos jurídicos medievais e pré-modernos para uma estrutura caracterizada pela racionalização, sistematização e centralização do poder estatal.
Centralização Estatal e Soberania: Um fator determinante foi a crescente centralização do poder nas mãos de monarcas e, posteriormente, do Estado moderno. Desde a Baixa Idade Média, buscou-se consolidar a autoridade central e unificar a jurisdição territorial. Esse processo afirmou o Estado como a principal fonte de produção do direito, suplantando fontes tradicionais como o costume e o direito feudal. As ideias da Revolução Francesa, como a soberania nacional, reforçaram essa tendência, estabelecendo a lei como expressão da “vontade geral” e principal fonte normativa. O pensamento maquiaveliano também influenciou essa construção, valorizando a autonomia do “político” e a criação de “boas leis” como instrumentos de poder, desvinculando a prática jurídica de modelos anteriores.
Racionalização, Sistematização e Codificação: A modernidade jurídica caracteriza-se pela racionalização e sistematização do conhecimento. Inspirada pelos ideais iluministas de clareza, certeza e segurança jurídica, a codificação tornou-se um marco. Grandes códigos, como o Código Civil Francês de 1804, buscaram reunir o direito de forma sistemática e escrita, influenciados tanto pela tradição romanística quanto pelo jusnaturalismo racionalista. Essa busca pela racionalização, como analisada por Max Weber, foi crucial, especialmente na tradição romano-germânica, para o surgimento de uma nova ciência jurídica alinhada às transformações socioeconômicas e políticas. O direito moderno passou a ser visto como ciência e, simultaneamente, como instrumento de poder.
Fundações Intelectuais: O pensamento jusnaturalista racionalista dos séculos XVII e XVIII forneceu bases teóricas importantes, defendendo a existência de direitos naturais universais inerentes ao ser humano, fundados na razão e que deveriam ser protegidos pelo direito positivo. Filósofos como Grotius e Pufendorf contribuíram para a valorização dos direitos individuais. A Revolução Francesa consolidou princípios como a igualdade perante a lei e a legalidade, que passaram a nortear a atuação estatal e as relações sociais.
Contexto Socioeconômico e Críticas: A ascensão da burguesia e o desenvolvimento do capitalismo criaram a necessidade de regulamentar novas relações econômicas, a propriedade privada e a liberdade contratual, moldando o direito moderno para atender a essas demandas. Contudo, a formação do direito moderno não é isenta de críticas. Argumenta-se que ele operou exclusões (“juricídio”), afastando certos grupos e saberes tradicionais ou coloniais em favor de uma epistemologia focada na racionalidade formal. Houve também uma reconfiguração da responsabilidade, com um deslocamento da ênfase moral para novas formas de avaliação jurídica. A própria história do direito é vista como um desdobramento de transformações culturais e institucionais que redesenharam continuamente o conceito de direito.
Em síntese, a formação do direito moderno resultou da interação entre a centralização do poder estatal, a racionalização e codificação do saber jurídico, a influência de correntes filosóficas como o jusnaturalismo racionalista e o liberalismo, e as transformações socioeconômicas impulsionadas pelo capitalismo. Esse processo complexo instituiu um sistema jurídico pautado na racionalidade e na lei estatal, mas também redefiniu a relação do direito com a moral, a tradição e o poder, gerando novas formas de organização e, também, de exclusão.
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