Direito Canônico
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10/08/20231. Ensino Medieval
Durante a Idade Média, o ensino se dividia em diferentes categorias e níveis, com uma divisão clara entre as “Artes Mecânicas” e as “Artes Liberais”, que eram consideradas superiores. As Artes Mecânicas englobavam habilidades mais práticas e manuais, como a carpintaria, metalurgia, tecelagem, entre outros. Por outro lado, as Artes Liberais eram divididas em dois grupos principais: o Trivium e o Quadrivium.
O Trivium compreendia o estudo da lógica, retórica e gramática. A lógica se relacionava com o raciocínio e a argumentação, a retórica com a arte do discurso persuasivo e a gramática com o estudo das regras e estrutura da linguagem. Juntas, essas três disciplinas forneciam as ferramentas básicas de pensamento e expressão que os estudantes precisavam para prosseguir em seus estudos.
O Quadrivium, por sua vez, era composto pelo estudo da aritmética, geometria, astrologia e harmonia (música). A aritmética estudava os números em si, a geometria os números no espaço, a astrologia os números no tempo e a harmonia os números no som. Essas disciplinas formavam uma base sólida para o estudo das ciências naturais e matemáticas.
Após completarem o Trivium e o Quadrivium, os estudantes tinham a opção de ingressar na universidade para estudar direito, teologia ou medicina. Essas áreas de estudo eram consideradas as mais elevadas e proporcionavam aos estudantes a oportunidade de se tornarem membros respeitados da sociedade, como advogados, clérigos ou médicos.
Durante os séculos XI e XII, ocorreu uma redescoberta da tradição clássica, com muitos textos da antiguidade sendo traduzidos e estudados novamente. Este período marcou uma mudança significativa no pensamento e na educação medieval, com uma crescente ênfase no racionalismo e na argumentação lógica. As universidades tornaram-se centros de erudição e debate, contribuindo para o desenvolvimento de novas ideias e abordagens no campo do direito, teologia e medicina.
Como exemplo de instituições de ensino desse período, podemos citar a Universidade de Bolonha, na Itália, e a Universidade de Paris, na França, ambas fundadas no século XI, e que se tornaram centros importantes de estudo do Direito e das Artes Liberais. Essas universidades eram centros de aprendizado e de difusão do conhecimento clássico, desempenhando um papel crucial no desenvolvimento intelectual da Idade Média.
2. Renascimento do Direito Romano
O renascimento do direito romano, que ocorreu nos séculos XI e XII, marcou um ponto de virada significativo na história jurídica da Europa. Durante esse período, o Corpus Iuris Civilis, um compêndio de leis romanas compilado por ordem do imperador Justiniano no século VI, foi redescoberto e se tornou um elemento central do ensino jurídico em universidades europeias.
No curso de direito, uma passagem do Corpus Iuris Civilis era selecionada e, em seguida, lida pelos estudantes. O professor então a explicava e iniciava uma discussão sobre o tema, fomentando um entendimento profundo do direito romano e incentivando os estudantes a desenvolverem habilidades de análise e argumentação jurídicas.
O direito romano, através do Corpus Iuris Civilis, passou a ser conhecido como “direito erudito” ou “direito comum”, e tinha várias vantagens sobre os direitos costumeiros da época. Primeiramente, era escrito, o que proporcionava uma codificação e organização que os direitos costumeiros, por natureza, não possuíam. Isso facilitava a compreensão e a aplicação das leis, além de permitir uma maior uniformidade e consistência.
Em segundo lugar, o direito romano era comum a todas as universidades, o que significava que os estudantes de direito em toda a Europa estavam estudando e debatendo as mesmas questões. Isso ajudava a combater o pluralismo jurídico medieval e a criar um conjunto unificado de princípios legais que podiam ser aplicados em diferentes contextos e regiões.
Em terceiro lugar, o direito romano era mais completo e desenvolvido do que muitos dos sistemas legais da época, oferecendo soluções para uma ampla gama de questões legais e introduzindo novos institutos jurídicos.
Finalmente, o direito romano provou ser particularmente relevante para o contexto histórico do Renascimento Comercial Italiano. O direito romano, que havia sido desenvolvido em uma sociedade altamente mercantil, oferecia um quadro legal bem desenvolvido para lidar com questões de comércio e negócios, tornando-o extremamente útil para a sociedade italiana emergente.
Um exemplo notável desse período é a Universidade de Bolonha, onde o ensino do direito romano teve um renascimento significativo. Irnerius, um jurista de Bolonha, é muitas vezes creditado como a figura principal desse renascimento. Seus métodos de ensino e interpretação do direito romano influenciaram gerações de estudantes e professores, estabelecendo a tradição jurídica que moldou o direito europeu por séculos a seguir.
3. Escolástica
A Escolástica foi uma abordagem teórica e filosófica de grande relevância que se desenvolveu na Europa durante o século XII, e teve um papel fundamental na formação do direito. Os escolásticos se baseavam na ideia de sistema, onde o texto, seja ele filosófico, teológico ou jurídico, faz parte de um todo maior e só pode ser plenamente compreendido quando visto nesse contexto amplo. A verdade, acreditavam, estava no todo, e não nas partes individuais.
Nesse sentido, os escolásticos aplicavam um procedimento específico para abordar e debater questões complexas. Inicialmente, uma questão era levantada, com base em algum texto ou princípio. Seguindo isso, eram apresentadas citações de autoridades em assuntos relevantes, que traziam pontos de vista tanto favoráveis quanto divergentes em relação à questão inicial. A partir dessa discussão, a conclusão era alcançada, que seria a tese defendida pelo expositor.
Por exemplo, um escolástico poderia questionar a natureza da justiça. Citações de autoridades, como Aristóteles ou Agostinho, seriam reunidas, apresentando diferentes pontos de vista sobre o que é justiça. Uma discussão seria iniciada, na qual cada ponto de vista seria examinado e discutido em detalhes. No final, a conclusão seria apresentada, refletindo a interpretação do expositor sobre a questão original, mas sempre embasada na discussão e nos pontos de vista apresentados.
A metodologia escolástica se tornou a base para a interpretação e discussão de textos jurídicos, levando a uma abordagem mais analítica e sistemática do direito. Esse método também foi fundamental na formação do direito comum, pois permitiu aos juristas conciliar princípios jurídicos aparentemente divergentes e criar um sistema de direito mais coeso e unificado. Além disso, contribuiu para a formação de uma estrutura principiológica que seria a base para a criação de leis, a decisão de casos legais e a formação de políticas públicas.
4. Glosadores (Séculos XII e XIII)
Os glosadores desempenharam um papel crucial no estudo e na interpretação do direito romano durante os séculos XII e XIII, período conhecido como a “Era das Glosas”. Esse termo deriva do latim “glossa”, que significa “nota” ou “explicação”. Em termos práticos, uma glosa é um comentário feito à margem ou entre as linhas de um texto legal ou literário.
O trabalho dos glosadores consistia em interpretar e esclarecer o Corpus Iuris Civilis, um conjunto de leis romanas compiladas e promulgadas no século VI pelo imperador Justiniano I. Eles se dedicavam a uma análise detalhada de textos específicos, mais do que à visão do todo, e produziam comentários sobre esses textos, respeitando a fidelidade à lei romana.
Um exemplo notável de um glosador é Azzo, que lecionou na Universidade de Bolonha no século XIII. Suas glosas sobre o Código e o Digesto de Justiniano ainda hoje são reconhecidas por sua precisão e profundidade. Azo é especialmente conhecido por suas contribuições à lei das obrigações, um subcampo do direito civil que trata de questões como contratos e delitos.
O trabalho dos glosadores teve um impacto profundo em seu tempo, não apenas pela erudição que representava, mas também pela influência que exerciam sobre a interpretação do direito. Mesmo sem preocupações práticas imediatas, sua interpretação do Corpus Iuris Civilis serviu para reforçar a superioridade deste sobre os costumes locais, o que teria implicações importantes para o desenvolvimento do direito na Europa nos séculos seguintes.
Os glosadores, com seus métodos de estudo e sua meticulosa atenção aos detalhes, lançaram as bases para a posterior evolução do pensamento jurídico. Eles representam uma etapa importante no desenvolvimento do direito, marcando uma transição para um método mais sistemático e analítico de estudar a lei. Além disso, o trabalho dos glosadores constituiu um importante passo para a criação de um corpo coerente e unificado de princípios, fornecendo um modelo para o estudo e a prática do direito que continua relevante até hoje.
5. Comentadores (Séculos XIV e XV)
Depois do período dos glosadores, surgiu um grupo de juristas conhecido como comentadores, também chamados de pós-glosadores. Esta nova escola de pensamento, ativa principalmente nos séculos XIV e XV, se destacou por sua abordagem diferente em relação ao direito romano.
Os comentadores, ao contrário dos glosadores, entendiam o direito romano como um sistema unificado. Eles não estavam restritos a uma análise linha por linha do Corpus Iuris Civilis, mas buscavam compreender e explicar os princípios subjacentes que conectavam e unificavam as várias leis e regulamentos.
Essa mudança de foco permitiu uma maior liberdade interpretativa. Os comentadores não hesitavam em adaptar ou reinterpretar as leis romanas para responder a questões contemporâneas, desde que suas conclusões permanecessem fiéis aos princípios fundamentais do sistema jurídico romano. Isso marcou um passo importante na evolução do pensamento jurídico, à medida que o direito romano se tornava um recurso vivo e adaptável para lidar com os desafios emergentes.
Um exemplo emblemático dessa escola é Bartolo de Sassoferrato, jurista italiano do século XIV que é frequentemente citado como o maior dos comentadores. Bartolo é conhecido por sua abordagem pragmática e suas tentativas de reconciliar o direito romano com as necessidades da vida cotidiana. Ele aplicou princípios gerais do Corpus Iuris Civilis para solucionar casos concretos e questões práticas, ajudando assim a harmonizar o direito romano com as leis e estatutos das cidades.
Os comentadores também tiveram um papel central na expansão do alcance do jus commune, o direito comum europeu baseado no direito romano. Ao adaptar e interpretar o direito romano para atender às necessidades da sociedade contemporânea, eles ajudaram a moldar o direito europeu por muitos séculos.
Em última análise, o trabalho dos comentadores teve um efeito profundo na administração, diplomacia e aplicação do direito. O uso de princípios do direito romano para resolver questões do mundo real permitiu a inserção de juristas em funções de liderança em vários setores da sociedade, consolidando a importância dos juristas na governança e na administração da justiça.
6. Renascimento Italiano
O Renascimento Italiano, que começou por volta de 1350, marcou uma nova era de revolução cultural, política e social na Europa. Tendo seu início na Itália, o movimento foi caracterizado por um interesse renovado pela cultura greco-romana, uma explosão de criatividade nas artes e ciências, e a valorização do ser humano, conhecida como humanismo.
Em arquitetura, Filippo Brunelleschi, um pioneiro da Renascença, trouxe de volta o uso de colunas clássicas e fez a revolucionária descoberta da perspectiva linear, dando um novo nível de realismo às obras de arte. Brunelleschi é mais famoso por seu trabalho na cúpula da Catedral de Florença, um marco da engenharia e da arquitetura.
Florença, cidade-estado italiana, foi o coração pulsante do Renascimento. A cidade abrigava uma cultura urbana dinâmica, alimentada pelo florescimento das artes, do pensamento intelectual e do comércio. Florença foi também o berço do humanismo, uma filosofia que colocava o ser humano, em vez de Deus ou da religião, no centro da vida e do pensamento.
O Renascimento Italiano deu origem a uma nova era de descobertas científicas. Uma mudança de paradigma importante ocorreu na astronomia, quando estudiosos como Copérnico, Kepler e Galileu começaram a desafiar a visão geocêntrica do universo, que colocava a Terra no centro de tudo. Copérnico propôs a teoria heliocêntrica, que sugeria que a Terra e os outros planetas orbitavam o Sol. Kepler aperfeiçoou essa teoria com suas leis do movimento planetário. Galileu, com seu aperfeiçoamento do telescópio, forneceu evidências empíricas que apoiaram a visão heliocêntrica.
O Renascimento Italiano não apenas proporcionou um renascimento nas artes e ciências, mas também influenciou o pensamento jurídico. O humanismo jurídico, um subconjunto do movimento humanista, defendia o estudo direto das fontes legais romanas e gregas, em vez da análise das interpretações medievais. Isso levou a uma maior compreensão do direito romano e ajudou a moldar os sistemas jurídicos modernos.
Por volta de 1500, o Renascimento começou a se espalhar por toda a Europa, levando a realizações científicas que estabeleceram as bases do mundo moderno. Assim, a influência do Renascimento Italiano estendeu-se muito além das fronteiras da Itália, moldando a evolução da arte, ciência, política, religião e direito em toda a Europa e, finalmente, do mundo.