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24/04/2024A terceira revolução industrial não foi o fim da história. A partir do final do século XX e início do século XXI, novas tecnologias emergiram e se combinaram, dando origem a uma nova onda de mudanças profundas e aceleradas nos âmbitos econômico, social, político e cultural. Essa é a chamada quarta revolução industrial, que se diferencia das anteriores por ser baseada na revolução digital e por envolver a fusão e a interação entre as esferas física, digital e biológica.
O conceito de quarta revolução industrial foi popularizado pelo economista e fundador do Fórum Econômico Mundial, Klaus Schwab, em seu livro homônimo, publicado em 2016. Segundo ele, a quarta revolução industrial é caracterizada pela convergência de tecnologias que estão “borrando as fronteiras entre as esferas física, digital e biológica”, criando novas formas de integração e interação entre os indivíduos, as organizações, as máquinas e os dados.
Essas tecnologias incluem desde a internet móvel, os sensores inteligentes, a computação em nuvem, a internet das coisas, o big data, a inteligência artificial, a aprendizagem automática, a robótica, a nanotecnologia, a biotecnologia, a edição genética, a impressão 3D, os veículos autônomos, a realidade virtual e aumentada, o blockchain, as criptomoedas, entre outras.
Aspectos
Aspectos físicos: As tecnologias da quarta revolução industrial permitem a criação de objetos e sistemas cada vez mais inteligentes, conectados, personalizados e autônomos, que podem transformar radicalmente setores como a indústria, o transporte, a construção, a energia, a agricultura, a saúde, a educação, a segurança, entre outros.
Alguns exemplos são os veículos autônomos, que dispensam motoristas e podem se comunicar entre si; a impressão 3D, que possibilita a produção sob demanda de peças e produtos complexos e customizados; e a robótica avançada, que amplia as capacidades humanas e automatiza tarefas repetitivas, perigosas ou de alta precisão.
Aspectos digitais: As tecnologias da quarta revolução industrial ampliam as possibilidades de comunicação, informação, colaboração, transação, participação e entretenimento no espaço virtual, gerando novas formas de produção, consumo, organização, relacionamento e identidade.
Alguns exemplos são a internet das coisas, que conecta objetos do cotidiano à rede mundial de computadores, permitindo o monitoramento, o controle e a interação remota; o blockchain, que cria um sistema descentralizado, seguro e transparente de registro e validação de dados e operações; e o modelo empresarial Uber, que utiliza plataformas digitais para intermediar serviços entre ofertantes e demandantes, sem vínculos formais ou regulatórios.
Aspectos biológicos: As tecnologias da quarta revolução industrial possibilitam a manipulação, a modificação e a integração de sistemas biológicos, tanto naturais quanto artificiais, podendo alterar a vida, a saúde, a alimentação, a ética e a identidade dos seres vivos.
Alguns exemplos são a edição de genes, que permite modificar o código genético de organismos, corrigindo defeitos, melhorando características ou criando novas espécies; a biologia sintética, que combina engenharia e biologia para projetar e construir sistemas biológicos artificiais; e a neurotecnologia, que conecta o cérebro humano a dispositivos eletrônicos, ampliando as funções cognitivas, sensoriais e motoras.
Impactos
A quarta revolução industrial também traz consigo uma série de impactos em diferentes domínios da sociedade, tais como:
Economia: A quarta revolução industrial pode gerar benefícios econômicos, como a redução dos custos de produção e distribuição, o aumento da eficiência e da qualidade dos produtos e serviços, o estímulo à inovação e à competitividade, a expansão do mercado consumidor e a inclusão de novos atores econômicos.
Segundo uma visão otimista, esses benefícios podem se traduzir em maior crescimento, maior renda, maior consumo, maior sustentabilidade e maior bem-estar para a população. De acordo com Schwab, a quarta revolução industrial tem o potencial de integrar cerca de dois bilhões de pessoas ao sistema econômico global e de resolver problemas como a pobreza, a fome, a saúde e a educação.
Empregos: A quarta revolução industrial pode ter efeitos ambíguos sobre o mercado de trabalho, pois ao mesmo tempo em que cria novas demandas, oportunidades e profissões, também elimina, substitui ou transforma as existentes.
Segundo uma visão pessimista, esses efeitos podem resultar em desemprego estrutural, obsolescência de competências, precarização das condições e relações de trabalho, aumento da desigualdade e da exclusão social. De acordo com um relatório do Fórum Econômico Mundial, a quarta revolução industrial pode afetar cerca de 65% dos empregos atuais até 2025, exigindo a requalificação, a recolocação ou a reinvenção dos trabalhadores.
Além disso, a quarta revolução industrial pode modificar a forma como o trabalho é organizado e realizado, dando origem a novos modelos, como o teletrabalho, o trabalho por projeto, o trabalho colaborativo e o trabalho na “nuvem humana”, que podem oferecer mais flexibilidade, autonomia e liberdade para os trabalhadores, mas também podem implicar em mais instabilidade, insegurança e isolamento.
Negócios: A quarta revolução industrial pode provocar mudanças profundas no ambiente e na dinâmica dos negócios, tanto no nível macro quanto no nível micro.
No nível macro, a quarta revolução industrial pode alterar as estruturas e as forças que regem os mercados, como a oferta, a demanda, a concorrência, a regulação, a tributação, a infraestrutura, entre outras, exigindo das organizações uma maior capacidade de adaptação, antecipação, diferenciação e cooperação.
No nível micro, a quarta revolução industrial pode transformar os processos e as práticas internas das organizações, tais como a gestão, a produção, a logística, o marketing, a inovação, a qualidade, a sustentabilidade, entre outras, exigindo das organizações uma maior eficiência, produtividade, flexibilidade, agilidade e responsabilidade.
Além disso, a quarta revolução industrial pode mudar o perfil e o comportamento dos consumidores, que se tornam cada vez mais informados, exigentes, conscientes, engajados e participativos, exigindo das organizações uma maior transparência, personalização, interação e valorização dos produtos e serviços oferecidos.
Governos: A quarta revolução industrial pode ter implicações significativas para o papel e o funcionamento dos governos, tanto no nível nacional quanto no nível internacional.
No nível nacional, a quarta revolução industrial pode aumentar a demanda por políticas públicas que promovam o desenvolvimento, a inclusão, a proteção e a participação dos cidadãos, diante dos desafios e das oportunidades trazidos pelas novas tecnologias. Ao mesmo tempo, a quarta revolução industrial pode oferecer ferramentas que auxiliem os governos a formularem, implementarem, monitorarem e avaliarem essas políticas, tornando-as mais efetivas, eficientes e transparentes. Alguns exemplos são o uso de dados abertos, de plataformas digitais, de inteligência artificial, de blockchain, entre outras, para melhorar a prestação de serviços, o controle de gastos, a fiscalização de irregularidades, a comunicação com os cidadãos, entre outros.
No nível internacional, a quarta revolução industrial pode exigir uma maior cooperação e coordenação entre os governos, as organizações internacionais e os demais atores globais, para lidar com questões que transcendem as fronteiras nacionais, como o comércio, a segurança, os direitos humanos, o meio ambiente, entre outras. Ao mesmo tempo, a quarta revolução industrial pode criar novos mecanismos e espaços de governança global, que permitam uma maior integração, interdependência e resolução de conflitos entre os países e as regiões do mundo.
Problemas
No entanto, a quarta revolução industrial também traz consigo uma série de problemas e riscos que precisam ser enfrentados e mitigados, tais como:
Débito global: A quarta revolução industrial pode aumentar o endividamento dos países, das empresas e dos indivíduos, em função da necessidade de investimentos em infraestrutura, inovação, educação, saúde, segurança, entre outros, para aproveitar as oportunidades e superar os desafios trazidos pelas novas tecnologias.
O débito global pode chegar a 311 trilhões de dólares em 2023, o equivalente a 226% do Produto Interno Bruto (PIB) mundial, representando uma ameaça à estabilidade e ao crescimento econômico.
Desigualdade: A quarta revolução industrial pode agravar a desigualdade entre os países, as regiões, as classes, os grupos e os indivíduos, em termos de acesso, de uso, de benefício e de impacto das novas tecnologias. Segundo uma visão crítica, as novas tecnologias tendem a concentrar renda, poder, conhecimento e informação nas mãos de poucos, excluindo ou marginalizando a maioria.
De acordo com o relatório da Organização das Nações Unidas (ONU) sobre o desenvolvimento humano, a quarta revolução industrial pode aumentar o fosso entre os países desenvolvidos e em desenvolvimento, em termos de capacidade tecnológica, científica e educacional, comprometendo as metas de erradicação da pobreza, de redução das desigualdades e de promoção da justiça social.
Meio ambiente: A quarta revolução industrial pode intensificar os problemas ambientais decorrentes da atividade humana, como a poluição, a degradação, o esgotamento, a perda e a extinção dos recursos naturais, comprometendo a sustentabilidade e a qualidade de vida das gerações presentes e futuras.
Segundo uma visão cautelosa, as novas tecnologias podem gerar externalidades negativas, ou seja, efeitos indesejados, não previstos e não contabilizados, que afetam o meio ambiente e a sociedade, tais como as mudanças climáticas, a redução da biodiversidade, os riscos tecnológicos, entre outros.
De acordo com o relatório do Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas (IPCC), a quarta revolução industrial pode acelerar o aquecimento global, caso não haja uma transição para fontes de energia mais limpas e renováveis.
Diante desse cenário, a quarta revolução industrial representa um desafio e uma oportunidade para a humanidade, que depende da forma como as novas tecnologias são desenvolvidas, difundidas, utilizadas e reguladas. Segundo Schwab, a quarta revolução industrial requer uma “liderança responsável, inclusiva e visionária”, capaz de “moldar o futuro da humanidade e do planeta de maneira positiva, equitativa e sustentável”.
Questões jurídicas
A quarta revolução industrial pode desafiar e transformar o sistema jurídico vigente. Segundo uma visão crítica, as novas tecnologias podem gerar conflitos, dilemas, incertezas e lacunas jurídicas, que exigem soluções adequadas, eficientes e justas, tanto no âmbito nacional quanto no internacional.
De acordo com o relatório do Fórum Econômico Mundial, a quarta revolução industrial requer uma “governança ágil”, capaz de “antecipar, compreender e responder às implicações das novas tecnologias para a sociedade e o meio ambiente”. Alguns exemplos de questões jurídicas relacionadas à quarta revolução industrial são:
– A proteção dos direitos fundamentais, como a vida, a saúde, a intimidade, a privacidade, a liberdade, a igualdade e a dignidade, diante dos avanços da biotecnologia, da nanotecnologia, da inteligência artificial, da robótica, da internet das coisas, entre outras.
– A responsabilização civil, penal e administrativa pelos danos causados por agentes autônomos, inteligentes e conectados, como os robôs, os drones, os carros sem motorista, os assistentes virtuais, entre outros.
– A regulação do acesso, do uso, da produção, da distribuição e da propriedade intelectual dos dados, das informações e dos conhecimentos gerados, armazenados, processados e transmitidos pelas novas tecnologias, bem como a prevenção e o combate aos crimes cibernéticos, como a invasão, o roubo, o vazamento, a manipulação e a falsificação de dados.
– A adaptação e a atualização das normas trabalhistas, tributárias, comerciais e consumeristas, diante das mudanças nos modelos de negócios, nas relações de trabalho, na prestação de serviços, na produção e no consumo, decorrentes da digitalização, da automação, da descentralização e da personalização das atividades econômicas.
– A promoção da sustentabilidade ambiental, da responsabilidade social e da ética na pesquisa, no desenvolvimento, na inovação e na aplicação das novas tecnologias, bem como a participação e o controle democráticos da sociedade civil sobre os processos decisórios e as políticas públicas relacionados à quarta revolução industrial.
– A inteligência artificial e a crise da democracia, considerando os riscos de manipulação, desinformação, polarização, discriminação e violação dos direitos políticos dos cidadãos, diante do uso de algoritmos, redes sociais, big data e outras ferramentas digitais que podem influenciar o comportamento, as opiniões e as escolhas eleitorais das pessoas.
Assim, a quarta revolução industrial apresenta um cenário complexo e dinâmico para o direito, que precisa se atualizar e se adaptar às novas realidades e desafios impostos pelas novas tecnologias, sem perder de vista os valores e os objetivos que orientam a ordem jurídica.
Aspecto | Descrição |
---|---|
Origem | A quarta revolução industrial surgiu no final do século XX e início do século XXI, baseada na revolução digital e envolvendo a fusão e interação entre as esferas física, digital e biológica. |
Popularização | O conceito foi popularizado por Klaus Schwab, fundador do Fórum Econômico Mundial, em seu livro de 2016. |
Características | Caracteriza-se pela convergência de tecnologias que estão “borrando as fronteiras entre as esferas física, digital e biológica”, criando novas formas de integração e interação. |
Tecnologias Envolvidas | Inclui internet móvel, sensores inteligentes, computação em nuvem, internet das coisas, big data, inteligência artificial, aprendizagem automática, robótica, nanotecnologia, biotecnologia, edição genética, impressão 3D, veículos autônomos, realidade virtual e aumentada, blockchain, criptomoedas, entre outras. |
Impactos Físicos | Permite a criação de objetos e sistemas cada vez mais inteligentes, conectados, personalizados e autônomos, que podem transformar radicalmente setores como a indústria, o transporte, a construção, a energia, a agricultura, a saúde, a educação, a segurança, entre outros. |
Impactos Digitais | Amplia as possibilidades de comunicação, informação, colaboração, transação, participação e entretenimento no espaço virtual, gerando novas formas de produção, consumo, organização, relacionamento e identidade. |
Impactos Biológicos | Possibilita a manipulação, a modificação e a integração de sistemas biológicos, tanto naturais quanto artificiais, podendo alterar a vida, a saúde, a alimentação, a ética e a identidade dos seres vivos. |
Impactos Econômicos | Pode gerar benefícios econômicos, como a redução dos custos de produção e distribuição, o aumento da eficiência e da qualidade dos produtos e serviços, o estímulo à inovação e à competitividade, a expansão do mercado consumidor e a inclusão de novos atores econômicos. |
Impactos no Emprego | Pode ter efeitos ambíguos sobre o mercado de trabalho, pois ao mesmo tempo em que cria novas demandas, oportunidades e profissões, também elimina, substitui ou transforma as existentes. |
Impactos nos Negócios | Pode provocar mudanças profundas no ambiente e na dinâmica dos negócios, tanto no nível macro quanto no nível micro. |
Impactos nos Governos | Pode ter implicações significativas para o papel e o funcionamento dos governos, tanto no nível nacional quanto no nível internacional. |
Problemas | A quarta revolução industrial também traz consigo uma série de problemas e riscos que precisam ser enfrentados e mitigados, tais como débito global, desigualdade e meio ambiente. |
Questões Jurídicas | Pode desafiar e transformar o sistema jurídico vigente. |