Redemocratização e Constituição de 1988
12/04/2023Poder Constituinte Derivado
13/04/2023O Poder Constituinte Originário é um dos pilares fundamentais do direito constitucional e desempenha um papel crucial na construção de uma nação e de seu sistema jurídico. É responsável pela elaboração da Constituição, que estabelece as bases do Estado e da ordem jurídica, sendo o fundamento de validade do direito. O conceito de poder constituinte é frequentemente dividido em dois tipos: originário e derivado.
O poder constituinte originário é o poder soberano e inicial de criar uma nova Constituição, geralmente exercido no contexto de um novo Estado ou após uma revolução política. Ele emana da vontade do povo e é caracterizado por sua natureza suprema, incondicionada e ilimitada, uma vez que não está submetido a nenhum controle jurídico ou procedimental preexistente. Sua finalidade é estabelecer os fundamentos da sociedade e do Estado, definindo a estrutura política e os princípios gerais do sistema jurídico.
Por outro lado, o poder constituinte derivado é a capacidade de alterar, reformar ou atualizar uma Constituição já existente, respeitando os limites e procedimentos estabelecidos pela própria Constituição. Este tipo de poder constituinte é exercido pelos órgãos e representantes do Estado, como o Poder Legislativo, e está sujeito a limites e restrições específicas.
Um exemplo histórico do exercício do poder constituinte originário é a Constituição dos Estados Unidos de 1787. Após a independência das Treze Colônias, os representantes das colônias se reuniram na Convenção Constitucional para elaborar a nova Constituição, que estabeleceu os princípios fundamentais e a estrutura do novo Estado federal.
Na doutrina, um dos autores mais renomados que aborda o tema do poder constituinte é J. J. Gomes Canotilho. Ele afirma que “o poder constituinte se revela sempre como uma questão de ‘poder’, de ‘força’ ou de ‘autoridade’ política que está em condições de, numa determinada situação concreta, criar, garantir ou eliminar uma Constituição entendida como lei fundamental da comunidade política”. Nesse sentido, Canotilho destaca que o poder constituinte originário é uma expressão do poder político, que permite a criação, a garantia ou a eliminação de uma Constituição.
Em resumo, o poder constituinte originário é a força motriz por trás da criação de uma nova Constituição e do estabelecimento do Estado e da ordem jurídica. Ele é uma manifestação do poder soberano do povo e serve como fundamento de validade do direito. A análise do poder constituinte, tanto originário quanto derivado, é crucial para compreender a evolução e a dinâmica do direito constitucional e da formação dos Estados.
Titularidade do poder constituinte originário
A titularidade do poder constituinte originário é um aspecto fundamental na compreensão desse conceito. A doutrina majoritária afirma que a titularidade do poder constituinte originário pertence ao povo ou à nação, isto é, aos membros de uma comunidade política organizada que compartilham uma história, uma cultura e um território comuns. Esse entendimento se baseia no princípio da soberania popular, que estabelece que a autoridade máxima em um Estado democrático reside no povo.
Um dos autores clássicos que aborda a titularidade do poder constituinte originário é Emmanuel Joseph Sieyès, em sua obra “O que é Terceiro Estado?”. Sieyès sustenta que o poder constituinte pertence à nação como um todo, e não a qualquer grupo específico ou a uma pessoa. A nação é, portanto, a titular do poder de criar e modificar a Constituição e é a fonte de todo o poder político e jurídico.
No Brasil, a Constituição Federal de 1988 consagra a titularidade do poder constituinte originário ao povo. No Art. 1º, parágrafo único, a Constituição estabelece que “Todo o poder emana do povo, que o exerce por meio de representantes eleitos ou diretamente, nos termos desta Constituição”. Isso significa que o povo brasileiro, como titular do poder constituinte originário, é a fonte de toda a autoridade e legitimidade do sistema jurídico e político do país.
Em outras democracias, como a França e os Estados Unidos, também é possível observar a consagração da titularidade do poder constituinte originário ao povo. A Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão, adotada na França em 1789, estabelece no seu Artigo 3º que “o princípio de toda a soberania reside essencialmente na nação”, enquanto a Constituição dos Estados Unidos começa com o preâmbulo “Nós, o povo dos Estados Unidos…”.
Em síntese, a titularidade do poder constituinte originário está vinculada à soberania popular e à nação como um todo. Esse princípio é fundamental para garantir a legitimidade e a estabilidade das democracias, assegurando que a Constituição e o sistema jurídico reflitam os interesses e a vontade do povo. Autores como Sieyès e as próprias constituições de diversos países, como o Brasil, reconhecem e consagram essa titularidade, reforçando a importância do povo como fonte de poder e autoridade.
Formas de expressão do poder constituinte originário
As formas de expressão do poder constituinte originário referem-se aos diferentes mecanismos e procedimentos pelos quais a vontade do povo é manifestada na elaboração de uma nova Constituição. Estas formas podem variar de acordo com as tradições jurídicas, culturais e políticas de cada país e podem ser classificadas em três categorias principais: procedimento constituinte direto, procedimento constituinte indireto e procedimento autoritário.
- Procedimento constituinte direto: Neste processo, a elaboração da Constituição é realizada de forma mais direta pela população, que participa ativamente de sua criação e aprovação. Um exemplo disso é quando um projeto de Constituição elaborado por uma Assembleia é submetido a um plebiscito ou ratificado por meio de um referendo popular. A Suíça é um exemplo de país que utiliza o procedimento constituinte direto, em que a população tem um papel mais ativo na elaboração e aprovação de emendas constitucionais.
- Procedimento constituinte indireto: Neste caso, a Constituição é elaborada e aprovada por uma Assembleia Constituinte eleita pelo povo, que representa os interesses da população no processo de criação da nova ordem jurídica. A Assembleia Constituinte tem a responsabilidade de elaborar o texto constitucional, debater e aprovar as disposições e princípios que integrarão a nova Constituição. Um exemplo deste procedimento é a Constituição Brasileira de 1988, que foi elaborada e aprovada por uma Assembleia Constituinte eleita após o fim do regime militar.
- Procedimento autoritário: Neste cenário, a elaboração da Constituição é realizada por um indivíduo ou grupo que detém o poder, sem a participação efetiva ou consentimento do povo. A nova Constituição é, então, outorgada, isto é, imposta à sociedade. Um exemplo histórico deste tipo de procedimento é a Constituição Polonesa de 1952, que foi imposta pelo regime comunista do país, sem a participação efetiva da população.
Vale ressaltar que, na doutrina, o procedimento autoritário é geralmente considerado menos legítimo do que os procedimentos direto e indireto, uma vez que não reflete adequadamente a vontade do povo e pode ser visto como uma imposição de uma elite ou grupo dominante. Entretanto, todos esses procedimentos representam diferentes formas de expressão do poder constituinte originário, dependendo do contexto histórico e político em que são aplicados.
Em suma, as formas de expressão do poder constituinte originário variam conforme o grau de participação popular e a estrutura política de cada país. O procedimento constituinte direto e o indireto são mais alinhados com os princípios democráticos, enquanto o procedimento autoritário é considerado menos legítimo, uma vez que não envolve a participação efetiva do povo. O estudo dessas formas de expressão é crucial para compreender a dinâmica do poder constituinte originário e sua manifestação nas diferentes realidades políticas e jurídicas.
Espécies de poder constituinte originário
As espécies de poder constituinte originário podem ser classificadas em dois tipos principais, conforme sua atuação no processo de criação da Constituição: histórico ou fundacional e de ruptura ou pós-fundacional.
- Histórico ou fundacional: O poder constituinte originário histórico ou fundacional refere-se àquele que cria a primeira Constituição de um Estado. Essa espécie de poder constituinte é exercida quando um novo Estado é formado, seja por meio da independência de um território, da unificação de várias entidades políticas ou da transformação de uma organização política preexistente. Nesse contexto, o poder constituinte originário tem a responsabilidade de estabelecer as bases jurídicas e políticas do novo Estado, bem como seus princípios fundamentais e estrutura organizacional. Um exemplo histórico de poder constituinte originário fundacional é a criação da Constituição dos Estados Unidos em 1787, que estabeleceu as bases do novo Estado federal após a independência das Treze Colônias.
- De ruptura ou pós-fundacional: O poder constituinte originário de ruptura ou pós-fundacional ocorre quando uma nova Constituição é produzida, substituindo uma Constituição preexistente. Essa espécie de poder constituinte pode ser exercida em diferentes contextos, como em casos de golpe de Estado, insurreição, revolução ou reforma. Nesses cenários, o poder constituinte originário busca romper com o sistema jurídico e político anterior e estabelecer uma nova ordem constitucional. Um exemplo deste tipo de poder constituinte é a Assembleia Nacional Constituinte no Brasil, estabelecida pela Emenda Constitucional nº 26/1985. O artigo 1º desta Emenda determina que “Os Membros da Câmara dos Deputados e do Senado Federal reunir-se-ão, unicameralmente, em Assembleia Nacional Constituinte, livre e soberana, no dia 1º de fevereiro de 1987, na sede do Congresso Nacional”. A Assembleia Nacional Constituinte foi responsável pela elaboração e aprovação da Constituição Federal de 1988, substituindo a Constituição de 1967 e marcando o fim do regime militar no Brasil.
Em resumo, as espécies de poder constituinte originário refletem diferentes momentos e contextos em que o poder constituinte é exercido. O poder constituinte originário histórico ou fundacional está relacionado à criação da primeira Constituição de um Estado, enquanto o poder constituinte originário de ruptura ou pós-fundacional se refere à substituição de uma Constituição preexistente por uma nova. Ambas as espécies são fundamentais para a evolução e transformação dos sistemas jurídicos e políticos e ajudam a compreender as diversas manifestações do poder constituinte originário ao longo da história.
Características do poder constituinte originário
O poder constituinte originário possui características distintas que o diferenciam de outras formas de poder político e jurídico. Estas características fundamentam sua natureza única e o papel que desempenha na criação e transformação das ordens jurídicas e políticas dos Estados. As principais características do poder constituinte originário são:
- Inicial: O poder constituinte originário é inicial porque instaura uma nova ordem jurídica, seja na formação de um novo Estado ou na substituição de uma Constituição preexistente. Essa característica é de natureza fática, ou seja, ocorre na realidade e se concretiza através de eventos históricos e políticos que dão origem a uma nova ordem constitucional.
- Ilimitado materialmente: O poder constituinte originário não está sujeito a limites impostos por normas jurídicas anteriores. Isso significa que ele pode desrespeitar direitos adquiridos, atos jurídicos perfeitos e coisas julgadas na elaboração da nova Constituição. Essa característica permite ao poder constituinte originário estabelecer novos princípios e regras que reflitam os interesses e a vontade da sociedade no momento da elaboração da nova ordem jurídica.
- Incondicionado formalmente: O poder constituinte originário não precisa seguir procedimentos anteriores para a tomada de decisões. Ele é livre para estabelecer seus próprios processos e mecanismos de deliberação, que podem ser diferentes dos procedimentos estabelecidos pela ordem jurídica anterior. Isso permite uma maior flexibilidade e adaptabilidade do poder constituinte originário às demandas e desafios específicos de cada contexto histórico e político.
- Autônomo: O poder constituinte originário é autônomo, pois seus titulares tomam diretamente as decisões relativas à elaboração da nova Constituição. Essa característica está relacionada à soberania popular e à titularidade do poder constituinte, que residem no povo ou na nação, conforme mencionado anteriormente.
- Permanente: O poder constituinte originário é permanente no sentido de que permanece latente, podendo ser reativado em um novo momento constituinte. Essa característica reconhece a capacidade do poder constituinte originário de gerar novas ordens jurídicas e políticas em resposta a transformações sociais, econômicas e culturais ao longo do tempo.
Em resumo, as características do poder constituinte originário são fundamentais para compreender sua natureza e função na criação e transformação das ordens jurídicas e políticas dos Estados. Essas características, como a inicialidade, a ilimitação material, a incondicionalidade formal, a autonomia e a permanência, refletem o papel singular do poder constituinte originário como fonte de autoridade e legitimidade no âmbito constitucional.
Referências:
- LENZA, Pedro. Direito constitucional. (Coleção esquematizado®). Editora Saraiva, 2023. E-book. ISBN 9786553624900. Disponível em: https://integrada.minhabiblioteca.com.br/#/books/9786553624900/ . Acesso em: abr. 2023.
- MASSON, Nathalia. Manual de Direito Constitucional. 9ª edição. Editora Juspodium, 2021.
- MORAES, Alexandre de. Direito Constitucional. Grupo GEN, 2023. E-book. ISBN 9786559774944. Disponível em: https://integrada.minhabiblioteca.com.br/#/books/9786559774944/ . Acesso em: abr. 2023.