Os Direitos Sociais – Século XIX: conquistas
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01/02/2014Os Direitos Sociais
Século XX: generalização e retrocesso
Os direitos sociais disseminam-se dos últimos anos do século XIX até o final do século XX. Na Alemanha, BISMARCK declara a ilegalidade do partido político dos trabalhadores. Em compensação, para suportar as eventuais pressões, propõe algumas leis: proteção aos acidentes de trabalho, à enfermidade e à velhice, que são aprovadas nos anos seguintes. Em 1911, o governo alemão cria o Código de Seguros Sociais, primeiro do gênero na história.
Na Inglaterra, o avanço também persiste. Em 1906, aprova-se lei que fornece merenda escolar aos alunos necessitados. Em 1907, são instituídos exames médicos gratuitos aos alunos e, em 1908, lei regula o trabalho de alunos fora do horário de aulas. Ainda em 1908, duas leis importantíssimas são aprovadas: a primeira, estabelecia uma aposentadoria por idade, independente da quantidade de anos trabalhados e de prévia contribuição ao Estado; a segunda, determinava jornada de trabalho de 8 horas nas minas de carvão. No ano seguinte, alguns ramos de trabalhos femininos foram protegidos com um salário mínimo. Tal movimento culmina na formação do Estado de Bem Estar britânico, em 1911, com a aprovação de lei que cria sistema obrigatório de seguro contra enfermidade e desemprego, aplicando-se a trabalhadores de baixa-renda.
SINGER apresenta dados interessantes que demonstram o avanço dos direitos sociais, comparando a porcentagem do PIB de alguns países europeus gasto com a proteção social de 1913 e de 1929:
- 4,1% e 11,8% na Alemanha;
- 4,2% e 4,7% na Grã-Bretanha (note que o avanço foi pequeno);
- 3,8% e 6,4% na Suécia.
Ainda em 1917, dois acontecimentos são fundamentais para a generalização dos direitos sociais: a Revolução Russa e a Constituição Mexicana. A Rússia torna-se o primeiro Estado a se proclamar socialista, nacionalizando os meios de produção, substituindo a livre iniciativa mercantil pelo planejamento econômico estatal e buscando construir, ao menos em termos ideológicos, uma sociedade justa para os trabalhadores.
A Constituição Mexicana de 1917 surge após a Revolução que abalou o país desde 1910, marcada pela aliança entre camponeses e operários da indústria, que terminam vitoriosos. Pela primeira vez, um documento constitucional, acima, portanto, das leis ordinárias, equipara os direitos trabalhistas aos direitos humanos. Com isso, proíbe o tratamento mercantil ao trabalho, que não deveria estar sujeito à lei da oferta e da procura, e afirma a igualdade entre empregadores e empregados na relação contratual de trabalho.
A propriedade deixa de ser considerada um direito absoluto e sagrado, permitindo ao Estado a imposição de limitações em nome do interesse público e a regulação do uso dos recursos naturais, buscando seu aproveitamento de modo a distribuir equitativamente a riqueza. Com isso, o latifúndio pode ser fracionado e distribuído aos trabalhadores, possibilitando a reforma agrária.
Na Alemanha, por seu turno, o marco é a Constituição de Weimar, de 1919. Por situar-se na Europa, transforma-se no grande indicador do processo de constitucionalização dos direitos sociais, consolidando o Estado Social e influenciando sua evolução. Dividida em duas partes, primeiro organiza o Estado Alemão; depois, proclama os direitos humanos, entre os quais, os sociais. Apresentemos alguns pontos:
- Art. 113 – confere aos não-alemães o direito de manterem seu idioma natal;
- Art. 119 – proclama a igualdade entre o marido e a mulher na relação familiar;
- Art. 121 – equipara filhos legítimos e ilegítimos;
- Algumas disposições tratam da educação pública e dos direitos trabalhistas, organizando a democracia social;
- Consagra-se um modelo de Educação promovida pelo Estado, devendo fornecer material escolar e ensino gratuitos, além de oferecer subsídios aos pais de alunos do ensino médio e superior;
- Art. 151 – limita a liberdade de mercado à preservação de nível de vida adequado;
- Art. 153 – consagra a ideia de que a lei pode limitar a propriedade privada e seu uso deve servir ao bem comum;
- Art. 163 – afirma que dar-se-á uma oportunidade de trabalho a todo alemão. Enquanto esse dever não for cumprido pelo Estado, deverá cuidar da subsistência dos desempregados.
Em 1919 é criada a Organização Internacional do Trabalho (OIT), pelo Tratado de Versailles, que restabelece a paz após a Primeira Guerra Mundial. Sua perspectiva é generalizar os direitos do trabalhador por meio da adoção de convenções internacionais depois ratificadas pelos países. Uma das motivações de sua atuação é a perspectiva de que a não adoção de direitos trabalhistas por uma nação prejudica as demais nações que os adotaram, pois, para estas, o custo da produção torna-se mais alto e seus produtos podem perder mercado.
A crise de 1929 agrava a questão social e, associada à Segunda Guerra Mundial, leva a novo ciclo de expansão dos direitos sociais. Nos Estados Unidos, Franklin Roosevelt adota políticas de expansão do gasto público e da oferta de moeda, desvalorizando o dólar em relação ao ouro, num conjunto de medidas que fica conhecido como New Deal.
Em 1935, duas novas leis tratam das relações trabalhistas: a Lei Nacional de Relações de Trabalho protege os sindicatos; a Lei de Padrões Justos de Trabalho fixa jornada de quarenta horas semanais, cria um salário mínimo e torna ilegal o trabalho infantil na indústria. No mesmo ano, algumas leis criam o Seguro Social, estabelecendo pensões aos idosos, o seguro-desemprego, subvenções aos cegos, às mães miseráveis e às crianças aleijadas, além de verbas para assistência à saúde.
Conforme SINGER, em poucos anos o New Deal superou o atraso norte-americano na garantia dos direitos sociais e também estabeleceu a responsabilidade estatal de combater o desemprego. Tal espírito dissemina-se pelo globo, chegando a países díspares como Suécia e, com Getúlio Vargas, Brasil. Por detrás dessas medidas, surgia a teoria econômica de KEYNES.
Em 1941 e 1942, novamente na Inglaterra, outro acontecimento reforça a generalização dos direitos sociais: o Plano Beveridge, elaborado por ministro inglês de mesmo nome. Tal plano busca o pleno emprego para combater os males da miséria e seus cinco grandes males: enfermidade, ignorância, dependência, decadência e habitação indigna. O plano traça, nos três “U”, os princípios básicos da seguridade social:
- universalidade (cobertura para todos)
- unicidade (uma gerência única de todos os benefícios)
- uniformidade (auxílios de valores únicos, independente do nível de renda)
Em 1946 o Reino Unido adota o Serviço Nacional de Saúde, que garantia a todos assistência médica e hospitalar integral, financiada pelo Estado. O serviço médico foi nacionalizado, abolindo-se a medicina privada, e evitando a ruína financeira de pessoas que simplesmente precisavam de tratamento médico.
O Plano Beveridge inspira a Declaração da Filadélfia, emitida pela OIT em 1944, que eleva os direitos sociais ao nível dos demais, buscando a generalização do direito a viver com segurança econômica e oportunidades iguais. O Estado deveria garantir a segurança econômica a seus cidadãos e impedir o tratamento mercantil ao trabalho.
SINGER novamente recorre à porcentagem do PIB gasta com direitos sociais, em 1950 e 1990, para demonstrar o avanço. Em 1950, os países com maior gasto social eram: Alemanha Ocidental (14,8%), Finlândia (12,6%), Bélgica (12,5%), Áustria (12,4%), Reino Unido (10%). Em 1990, os países com maior gasto social eram: Suécia (32,6%), Holanda (28,8%), Dinamarca (28,3%), Bélgica (26,7%) e Noruega (26,2%). Se lembrarmos que até 1929 só a Alemanha gastava mais do que 10% do PIB, a elevação foi significativa.
A partir de 1980, todavia, inicia-se o retrocesso dos direitos sociais. A ideologia neoliberal suplanta o keynesianismo, e volta a culpar o trabalhador pela miséria. Tendo-se em vista a preocupação básica de controlar a inflação e o nível de preços, os governos desmontam os Estados Sociais. Aos poucos, cresce o desemprego e aumentam os desníveis de renda, ficando os ricos cada vez mais ricos.
Os direitos sociais deixam, gradativamente, de passar pelo Estado e voltam-se para a sociedade civil. Disseminam-se empresas privadas que prestam serviços de saúde, educação e até previdência, sucateando-se os serviços públicos. Os direitos sociais, assim, são “privatizados” e, cada vez mais, dependem de um emprego para serem efetivados: só quem recebe um salário razoável pode pagar por bons serviços de saúde e educação. Isso é um grande problema para o século XXI, marcado pela informatização e pela descartabilidade do trabalhador: a sociedade não precisa de muitas pessoas trabalhando para produzir a quantidade de bens de que necessita. Em outras palavras, não existe mais qualquer possibilidade de pleno emprego no mesmo instante em que os três “U” do Plano Beverige (universalidade, unicidade e unifomidade) são esquecidos.