Representação Política
02/12/2024A justiça restaurativa pode ser definida como uma abordagem inovadora que busca promover a reparação dos danos causados por delitos por meio de processos participativos e dialógicos que envolvem vítimas, ofensores e a comunidade. Essa prática não se limita à reparação material ou punitiva, mas busca restaurar as relações sociais, atender às necessidades emocionais e sociais de todos os envolvidos e prevenir novos conflitos. Fundamentada na ideia de que o crime é uma violação das pessoas e das relações, e não apenas da lei, a justiça restaurativa enfatiza a cura, a responsabilização e a reintegração (Carvalho et al., 2023; Martins & Vale-Dias, 2022; Leida & Castro, 2018).
Os princípios e objetivos da justiça restaurativa
A essência da justiça restaurativa está em seus três pilares principais: a reparação das vítimas, a responsabilização dos ofensores e a reintegração social. Esses princípios são operacionalizados por meio de práticas que promovem o diálogo e a compreensão mútua, criando oportunidades para que as vítimas expressem suas dores, os ofensores compreendam o impacto de suas ações e a comunidade colabore na reconstrução de vínculos. Assim, essa abordagem vai além do sistema penal retributivo, oferecendo um espaço para que os conflitos sejam resolvidos de maneira mais humanizada e inclusiva (Pereira, 2020; Amorim, 2023).
- Reparação das vítimas: Proporcionar às vítimas um espaço para expressar suas dores e necessidades, garantindo que sejam ouvidas e tenham seu sofrimento reconhecido.
- Responsabilização dos ofensores: Criar oportunidades para que os ofensores compreendam as consequências de suas ações e tomem medidas para reparar os danos.
- Reintegração social: Promover a reconciliação e o fortalecimento dos laços comunitários, ajudando tanto as vítimas quanto os ofensores a superarem o conflito.
Exemplo prático: Em casos de furtos em comunidades, um programa de justiça restaurativa pode envolver reuniões entre o ofensor, a vítima e mediadores comunitários, onde o ofensor se compromete a reparar o prejuízo, como devolver o objeto furtado ou realizar serviços comunitários.
Contraste com o sistema penal tradicional
A justiça restaurativa representa uma alternativa ao modelo retributivo tradicional, que frequentemente foca na punição como principal forma de resposta ao crime. Enquanto o sistema penal clássico pode perpetuar ciclos de marginalização e violência, a justiça restaurativa busca romper esse ciclo ao criar um ambiente onde a resolução de conflitos se baseia no entendimento mútuo e na reconstrução das relações. Essa abordagem tem se mostrado especialmente eficaz em casos de violência doméstica, conflitos escolares e reintegração social de jovens em conflito com a lei (Oliveira et al., 2018; Mendes, 2023; Azevedo & Pallamolla, 2014).
Exemplo prático: Em casos de bullying escolar, sessões de justiça restaurativa têm sido utilizadas para reunir as partes envolvidas (vítima, agressor e comunidade escolar) em um processo de diálogo. Durante essas sessões, o agressor reconhece o impacto de suas ações e a escola desenvolve um plano coletivo para prevenir futuros episódios.
Impactos e desafios da justiça restaurativa
Pesquisas indicam que a justiça restaurativa contribui para a redução da reincidência criminal, promove uma cultura de paz e fortalece os direitos humanos. Em contextos práticos, como escolas e comunidades, a justiça restaurativa permite que ofensores compreendam as consequências de suas ações, incentivando mudanças de comportamento e fortalecendo os laços sociais (Jesus, 2024; Nielsson et al., 2022).
Pesquisas, pois, indicam que a justiça restaurativa contribui para:
- Redução da reincidência criminal: Ao promover a responsabilização e a reparação, muitos ofensores abandonam comportamentos ilícitos.
- Promoção de uma cultura de paz: Encoraja o diálogo e a empatia como ferramentas para resolver conflitos.
- Fortalecimento dos direitos humanos: Reconhece a dignidade das vítimas e ofensores.
Exemplo prático: Na Nova Zelândia, a justiça restaurativa é usada amplamente no sistema juvenil. Em casos de delitos cometidos por adolescentes, eles participam de reuniões com as vítimas e suas famílias, onde discutem os danos causados e chegam a um acordo sobre a reparação.
Contudo, a implementação dessa abordagem enfrenta desafios significativos, como a resistência cultural ao abandono de práticas punitivas e a necessidade de formação de facilitadores capacitados para lidar com a complexidade das dinâmicas emocionais e sociais envolvidas. Além disso, em contextos onde o sistema penal tradicional predomina, é necessário superar barreiras institucionais e culturais para integrar a justiça restaurativa ao sistema judicial de maneira eficiente (Martins, 2023; Salm & Leal, 2012; Meleu & Kelner, 2018).
Embora promissora, desse modo, a implementação da justiça restaurativa enfrenta desafios como:
- Resistência cultural: Muitos veem a justiça restaurativa como um enfraquecimento da punição tradicional.
- Falta de recursos: Programas restaurativos requerem facilitadores capacitados e apoio institucional.
Exemplo prático: No Brasil, programas de justiça restaurativa enfrentam dificuldades para se consolidar devido à predominância do sistema penal tradicional e à escassez de recursos para formação de mediadores (Martins, 2023; Salm & Leal, 2012).
Justiça Restaurativa em Contextos Específicos
- Violência doméstica: Sessões restaurativas podem ser realizadas com acompanhamento especializado para garantir a segurança da vítima e a transformação do comportamento do ofensor.
- Conflitos escolares: O uso de círculos restaurativos promove o diálogo e ajuda a resolver disputas sem a necessidade de medidas disciplinares punitivas.
- Crimes financeiros: A justiça restaurativa pode ser usada para negociar reparações financeiras e restaurar a confiança entre as partes.
Exemplo prático: Em um caso de vandalismo em São Paulo, adolescentes que picharam paredes foram responsabilizados a restaurar o local e participar de reuniões com a comunidade para discutir os impactos de suas ações.
Conclusão
A justiça restaurativa é uma abordagem multifacetada e humanizadora que visa transformar conflitos em oportunidades para crescimento e reparação. Ao enfatizar o diálogo, a empatia e a reintegração, ela não apenas oferece uma alternativa ao sistema penal retributivo, mas também atua como um catalisador para mudanças sociais mais amplas. No entanto, sua eficácia depende de investimentos em capacitação, sensibilização cultural e integração com as estruturas jurídicas existentes.
Referências
Amorim, A. (2023). A justiça restaurativa como alternativa ao cárcere – na perspectiva do abolicionismo penal. Revista Destaques Acadêmicos, 15(2). https://doi.org/10.22410/issn.2176-3070.v15i2a2023.3311
Azevedo, R., & Pallamolla, R. (2014). Alternativas de resolução de conflitos e justiça restaurativa no Brasil. Revista USP, (101), 173-184. https://doi.org/10.11606/issn.2316-9036.v0i101p173-184
Carvalho, R., Rodrigues, M., & Souza, K. (2023). Concepções, princípios e valores da justiça restaurativa. Revista Foco, 16(1), e631. https://doi.org/10.54751/revistafoco.v16n1-003
Jesus, E. (2024). Justiça restaurativa. Revista Amor Mundi, 5(5), 27-41. https://doi.org/10.46550/amormundi.v5i5.467
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Leida, M., & Castro, M. (2018). Neorretributivismo no direito penal brasileiro: obstáculos à realização de uma justiça restaurativa. Revista de Direito Penal Processo Penal e Constituição, 4(1), 68. https://doi.org/10.26668/indexlawjournals/2526-0200/2018.v4i1.4077
Martins, E. (2023). A trajetória da justiça restaurativa brasileira no sistema judicial. Revista Fragmentos de Cultura, 32(4), 962-707. https://doi.org/10.18224/frag.v32i4.13272
Martins, P., & Vale-Dias, M. (2022). O trabalho dos(as) psicólogos(as) na política de justiça restaurativa no Brasil. International Journal of Developmental and Educational Psychology Revista Infad De Psicología, 2(1), 209-216. https://doi.org/10.17060/ijodaep.2022.n1.v2.2344
Meleu, M., & Kelner, L. (2018). Justiça restaurativa: pressuposto para uma política constitucional criminal voltada à efetivação dos direitos humanos. Revista de Criminologias e Políticas Criminais, 4(2), 138. https://doi.org/10.26668/indexlawjournals/2526-0065/2018.v4i2.5039
Mendes, G. (2023). Justiça restaurativa no processo de ressocialização de menores em conflito com a lei. Revista Multidisciplinar do Nordeste Mineiro, 11(1). https://doi.org/10.61164/rmnm.v11i1.1585
Nielsson, J., Porto, R., & Pires, T. (2022). Justiça restaurativa: Revista Culturas Jurídicas, 9(23), 159-184. https://doi.org/10.22409/rcj.v9i23.48762
Oliveira, R., Tôrres, L., & Albuquerque, M. (2018). A justiça restaurativa como paradigma de sociabilidade e um ethos da convivência humana. Revista Diálogos da Extensão, 1(4), 67-72. https://doi.org/10.15628/dialogos.2018.6797
Oliveira, S., Santana, S., & Moreira, M. (2021). A violência doméstica e a pandemia do covid-19. Interfaces Científicas – Humanas e Sociais, 9(2), 166-182. https://doi.org/10.17564/2316-3801.2021v9n2p166-182
Pereira, G. (2020). Diálogos socráticos, derreflexão e modulação de atitude: contribuições ao modelo de justiça regenerativa de Hansen e Umbreit. Revista da Defensoria Pública do Distrito Federal, 2(3), 103-126. https://doi.org/10.29327/2193997.2.3-8
Salm, J., & Leal, J. (2012). A justiça restaurativa: multidimensionalidade humana e seu convidado de honra. Seqüência Estudos Jurídicos e Políticos, 33(64). https://doi.org/10.5007/2177-7055.2012v33n64p195