Fontes do direito – materiais, formais e reflexões
15/09/2011Fontes formais imediatas do direito – costume
20/09/2011O profissional do direito precisa obter as normas jurídicas com as quais trabalha de um modo rápido e confiável. Para tanto, recorre às fontes formais imediatas do direito. Caso encontre uma norma em uma dessas fontes, há grande probabilidade de que seja jurídica e possa ser utilizada na produção de petições, sentenças e contratos.
Ao tratarmos genericamente das fontes, constatamos que podem ser materiais ou formais. A fonte formal, por seu turno, pode ser, ao mesmo tempo, a autoridade com poder normativo e o instrumento que deve utilizar para comunicar a norma jurídica à sociedade. O operador do direito depara-se com esse instrumento e dele extrai a norma.
A norma jurídica, assim, é criada por uma pessoa ou um órgão estatal que possui um dos poderes normativos reconhecidos pelo Poder Constituinte Originário. Essa pessoa ou esse órgão depara-se com um fato social concreto ou concretizável e reputa desejável que o mesmo realize determinados valores que levam ao bem comum. Para a realização desses valores, surgem algumas possibilidades e algumas situações tornam-se indesejáveis. O detentor do poder normativo escolhe as possibilidades e cria normas, estabelecendo quais comportamentos são permitidos, proibidos e obrigatórios, limitando as consequências do fato por meio das chamadas normas jurídicas.
Essas normas devem ser comunicadas à sociedade em instrumentos específicos, conforme o tipo de autoridade normativa, sob pena de não serem jurídicas. Tais instrumentos são as fontes formais imediatas do direito e serão especificadas na sequência.
Antes, porém, exemplifiquemos esse processo de gênese da norma jurídica. Parlamentares deparam-se com um fato: alunos em sala de aula. Qual o principal valor a ser concretizado por esse fato? A educação, capaz de levar a sociedade ao bem comum. O fato de alunos assistirem a uma aula torna-se, assim, uma hipótese normativa. Muitas consequências podem derivar desse fato, mas nem todas concretizam a educação. Os Parlamentares, por possuírem o poder legislativo, escolherão aquelas consequências que reputam mais desejáveis e as transformarão em permitidas ou obrigatórias. Uma norma que pode ser criada é: se alunos assistirem a uma aula, deve ser mantido o silêncio (é proibido conversar). O poder legislativo deve comunicar suas normas à sociedade por meio de um instrumento próprio: a lei. Será, assim, criada uma lei que conterá um artigo determinando ser proibido conversar durante a aula.
No caso acima, a lei é a fonte formal imediata do direito. Um juiz, se precisar julgar o caso de um aluno que conversou em sala de aula, extrairá a regra para seu julgamento da lei; um professor que precise saber como se comportar ante uma situação de conversa, extrairá sua conduta da lei.
Podemos aproveitar o exemplo para trazer a primeira espécie de fonte formal imediata do direito: a legislação. Na verdade, a palavra indica um conjunto de fontes do direito: as fontes legislativas.
É interessante destacar que a palavra lei possui muitos sentidos, sendo sinônima de norma ou simplesmente uma espécie de fonte do direito derivada de processo legislativo próprio (lei ordinária ou lei complementar). Etimologicamente, a origem da palavra é controvertida. Ela pode derivar de lex, variação do verbo latino “ler” (legere), que significa aquilo que foi lido em voz alta; pode, também, derivar de ligare, cujo significado é “ligar”; ou, ainda, de eligere, significando “eleger”.
Curiosamente, a imprecisão etimológica da palavra revela seu conteúdo. A lei é uma norma pública, “lida em voz alta” (lex); ela liga uma consequência a uma hipótese (ligare), tornando-a permitida, proibida ou obrigatória; por fim, essa consequência é fruto de uma escolha de uma autoridade, que a impõe à sociedade (eligere).
Ao usarmos o coletivo de lei, “legislação”, usualmente, referimo-nos não apenas ao conjunto de leis ordinárias de um país, mas também a sua Constituição e, algumas vezes, a outros tipos legislativos. Poucas vezes usamos o verbete apenas no sentido estrito “conjunto de leis”. A legislação, enquanto fonte do direito, indica um conjunto de instrumentos dos quais podemos extrair normas jurídicas legislativas; a lei ordinária é apenas mais um desses instrumentos.
Para que um instrumento possa ser considerado uma fonte legislativa, precisa preencher alguns requisitos genéricos:
1. Criado por um órgão estatal (ou uma autoridade) que possui o poder constituinte derivado ou o poder legislativo;
2. Escrito;
3. Elaborado conforme procedimento fixado em normas jurídicas superiores;
4. Positivado, ou seja, criado por meio de uma decisão;
5. Voltado para a organização do Estado ou da sociedade.
Todas as normas jurídicas veiculadas por instrumentos que preencham os requisitos acima podem, genericamente, ser classificadas no coletivo legislação. A Constituição Federal elenca o conjunto de instrumentos criados a partir de um processo legislativo, no art. 59:
1. emendas à Constituição (art. 60 CF) – instrumentos que veiculam normas jurídicas constitucionais, reformando a Constituição;
2. leis complementares (arts. 61 e 69 CF) – instrumentos que veiculam normas jurídicas legais complementares aos conteúdos tratados de modo genérico na Constituição;
3. leis ordinárias (art. 61 CF) – instrumentos que veiculam normas legais comuns oriundas do Congresso Nacional no exercício regular de seu poder legislativo;
4. leis delegadas (art. 68 CF) – instrumentos que veiculam normas legais criadas pelo Poder Executivo mediante delegação do Pode Legislativo;
5. medidas provisórias (art. 62 CF) – instrumentos que veiculam normas legais criadas pelo Poder Executivo em caso de urgência e relevância, devendo ser aprovadas pelo Poder Legislativo em 60 dias, prorrogável o prazo por igual período, sob pena de perda de eficácia;
6. decretos legislativos (art. 49 CF) – instrumentos que veiculam normas jurídicas de estrita competência do Congresso Nacional;
7. resoluções – instrumentos que também veiculam normas jurídicas de estrita competência do Congresso Nacional (arts. 68, §2º; art. 52, X; art. 155, §§1º, IV e 2º, V CF).
De modo geral, todos esses instrumentos são fontes de normas legislativas. O Poder Executivo, para colocar em prática algumas dessas normas (ou executá-las), especificamente aquelas contidas nas leis, possui um poder normativo próprio, que é o poder regulamentar. Esse poder permite, assim, a criação de normas regulamentares, que são veiculadas por um instrumento específico, o decreto. Portanto, o decreto é o instrumento utilizado pelos chefes do Poder Executivo para criação de regulamentos, os quais especificam o modo como as leis serão executadas. Em sentido amplo, o decreto regulamentar assume a forma de uma fonte legislativa.
Apresentadas as fontes legislativas, devemos refletir sobre a existência de hierarquia entre elas, questão já suscitada no formato do ordenamento. Parece inegável que algumas fontes formais imediatas derivam de autoridades superiores, como é o caso da Constituição e da emenda constitucional (derivadas do Poder Constituinte). As normas constitucionais, assim, são superiores às demais. Também é inegável que no próximo patamar estão as normas legislativas em sentido estrito (lei ordinária, lei complementar, lei delegada e medida provisória). Discute-se, todavia, se há hierarquia entre essas quatro citadas. Não há uma posição definitiva na doutrina. Por fim, também é inegável que o decreto está no patamar inferior, devendo obediência a todas as demais fontes legislativas.
Outra questão a ser suscitada é a inflação legislativa. Tal expressão refere-se ao aumento incontrolável de normas legislativas (em sentido estrito e em sentido amplo): o Estado contemporâneo criou uma quantidade extraordinária de leis e decretos, tornando impossível o conhecimento de todas as normas existentes. Isso causa problemas, trazendo incerteza e insegurança para a vida social.
A palavra legislação, assim, inclui em seu significado um conjunto de fontes, todas derivadas de autoridades com o poder de criar normas legislativas. Para finalizar, devemos dizer que esse poder só é inferior ao Poder Constitucional Originário no sentido de estabelecer limites às relações sociais independentemente da vontade dos cidadãos. A norma legislativa é geral e abstrata. Todos devem acatá-la, comportando-se de modo obrigatório ou permitido e não fazendo o proibido.
Referências:
BETIOLI, Antonio Bento. Introdução ao Direito. 11ª edição. São Paulo: Saraiva, 2011. (Lição XII)
FERRAZ JÚNIOR, Tércio Sampaio. Introdução ao Estudo do Direito – Técnica, Decisão e Dominação. 6ª edição. São Paulo: Atlas, 2008. (4.3.3.1)