Repetição do indébito tributário
31/07/2023Crédito Tributário: garantias e preferências
31/07/20231. Definição e limites
A exclusão do crédito tributário é uma categoria prevista pelo Código Tributário Nacional (CTN) no Art. 175, que engloba dois institutos fundamentais do direito tributário: a isenção e a anistia. A exclusão do crédito tributário configura-se, portanto, como uma limitação ao poder de tributar, uma vez que interrompe o processo de constituição do crédito tributário, o qual é composto por diversas etapas (ocorrência do fato gerador, lançamento, etc.).
É importante salientar que a exclusão do crédito tributário não dispensa o cumprimento das obrigações acessórias dependentes da obrigação principal cujo crédito seja excluído, ou dela consequente, conforme o parágrafo único do Art. 175. Ou seja, mesmo quando o pagamento do tributo é dispensado por isenção ou anistia, o contribuinte ainda é obrigado a cumprir as obrigações acessórias, como a entrega de declarações, por exemplo.
No entanto, a concessão de isenções, anistias e outros benefícios fiscais não é irrestrita. Existem limitações constitucionais e legais para a concessão desses benefícios. O Art. 150, § 6º, da Constituição Federal estabelece que qualquer subsídio ou isenção, redução de base de cálculo, concessão de crédito presumido, anistia ou remissão, só poderá ser concedido mediante lei específica. Esta limitação visa assegurar que a concessão de benefícios fiscais seja feita de maneira transparente e democrática, através do processo legislativo.
A Lei Complementar 101/2000, conhecida como Lei de Responsabilidade Fiscal, também estabelece regras para a concessão de benefícios fiscais. Conforme o Art. 14, a concessão ou ampliação de qualquer benefício ou incentivo tributário que resulte em renúncia de receita deve estar acompanhada de estimativa do impacto orçamentário-financeiro no exercício em que deva iniciar sua vigência e nos dois seguintes, além de atender a pelo menos uma das seguintes condições:
I – estar prevista na lei orçamentária, considerando-se a renúncia de receita e as metas de resultados fiscais previstas na lei de diretrizes orçamentárias; II – ser acompanhada de medidas de compensação, no mesmo período, por meio de aumento de receita, proveniente de elevação de alíquotas, ampliação da base de cálculo, majoração ou criação de tributo ou contribuição.
Por exemplo, se um município decide isentar pequenas empresas do pagamento do IPTU para fomentar o desenvolvimento local, essa isenção deve ser instituída por lei específica e é necessário que seja feita uma previsão do impacto dessa renúncia na receita do município, bem como deve ser considerada na lei orçamentária ou estar acompanhada de medidas de compensação.
Em resumo, a exclusão do crédito tributário, seja por meio de isenção ou anistia, é um mecanismo importante do direito tributário para estimular atividades econômicas, favorecer determinados segmentos da população ou ainda incentivar comportamentos. Porém, essa concessão deve observar os limites e condições previstos na legislação, a fim de garantir a sustentabilidade fiscal e a equidade na tributação.
2. Isenção tributária
a. Conceito e legislação
A isenção tributária é um dos mecanismos de exclusão do crédito tributário, prevista no Art. 176 do Código Tributário Nacional. Por meio da isenção, a lei determina que, apesar da ocorrência do fato gerador do tributo, o contribuinte fica desobrigado do seu pagamento. Ou seja, a obrigação tributária principal deixa de existir, mas a obrigação acessória permanece.
O Art. 176 estabelece que a isenção, ainda que prevista em contrato, é sempre decorrente de lei que especifique as condições e requisitos exigidos para a sua concessão, os tributos a que se aplica e, se for o caso, o prazo de sua duração. Portanto, para que uma isenção seja válida, é necessário que exista uma lei específica que a preveja.
O parágrafo único do Art. 176 ressalta que a isenção pode ser restrita a uma determinada região do território da entidade tributante, em função de condições peculiares a essa região. Por exemplo, um estado pode conceder isenção do ICMS para empresas que se instalem em uma determinada região do estado para promover o seu desenvolvimento econômico.
b. Tipos de isenção
Existem diferentes tipos de isenção, que podem ser classificados conforme diversos critérios:
I. Forma de concessão
- Geral ou absoluta: a isenção é concedida diretamente pela lei, de forma genérica e automática para todos os contribuintes que se enquadram na situação prevista. Exemplo: isenção do Imposto de Renda para pessoas com renda inferior a um determinado valor.
- Individual ou solene: a isenção é concedida por despacho de autoridade administrativa, com base em previsão legal, e requer um pedido formal do contribuinte. Exemplo: isenção de IPI para aquisição de automóveis por pessoas com deficiência.
II. Natureza
- Onerosa ou condicionada: a isenção é concedida sob a condição de que o contribuinte realize certa ação ou atenda a certos requisitos. Exemplo: isenção de IPTU para proprietários que realizem obras de conservação em imóveis históricos.
- Gratuita ou incondicionada: a isenção é concedida sem qualquer contrapartida do contribuinte. Exemplo: isenção de IPTU para proprietários de imóveis de pequeno valor.
III. Área
- Ampla: a isenção é válida para todo o território da entidade tributante.
- Restrita geograficamente: a isenção é válida apenas para uma determinada região do território da entidade tributante.
- Setorial (restrita a um setor econômico ou social): a isenção é válida apenas para um determinado setor. Exemplo: isenção de ICMS para indústria de software.
IV. Tributos
- Geral ou universal: a isenção é válida para todos os tributos.
- Específica ou particular: a isenção é válida apenas para um determinado tributo.
V. Elementos
- Objetiva: a isenção é concedida com base no fato gerador do tributo. Exemplo: isenção de IPVA para aquisição de ambulâncias.
- Subjetiva: a isenção é concedida com base em características do sujeito passivo. Exemplo: isenção de IPVA para veículos de entidades filantrópicas.
VI. Prazo
- Predeterminado: a isenção tem um prazo definido para seu término.
- Indeterminado: a isenção não tem prazo definido para seu término.
VII. Revogabilidade
- Revogável: a isenção pode ser revogada pela entidade tributante.
- Irrevogável: a isenção não pode ser revogada pela entidade tributante.
As diferentes modalidades de isenção permitem que o instrumento seja utilizado de maneira flexível, adaptando-se às necessidades e objetivos da política fiscal da entidade tributante.
2c. Regras e Limites da Isenção Tributária
A isenção tributária, prevista no Art. 176 do CTN, é sempre decorrente de lei que especifica as condições e requisitos para sua concessão, os tributos a que se aplica e, se for o caso, o prazo de sua duração.
Pelo parágrafo único do artigo, a isenção pode ser restrita a uma determinada região do território da entidade tributante, em função de condições a ela peculiares. Isso significa que uma entidade tributante (como um estado ou município) pode isentar certos tributos em uma parte específica de seu território para estimular o desenvolvimento econômico nessa região.
O Art. 177 estabelece que a isenção não se estende às taxas e contribuições de melhoria, nem a tributos instituídos após a concessão da isenção. Por exemplo, se uma empresa recebe uma isenção de um imposto específico, e um novo imposto é criado depois que a isenção foi concedida, a empresa ainda é responsável por pagar o novo imposto.
De acordo com o Art. 178, uma isenção pode ser revogada ou modificada a qualquer momento, a menos que seja concedida por um prazo determinado e em função de condições específicas. O Art. 179 estabelece que a isenção, quando não concedida em caráter geral, é efetivada em cada caso por despacho da autoridade administrativa, em requerimento com o qual o interessado faça prova do preenchimento das condições e do cumprimento dos requisitos previstos em lei ou contrato para sua concessão.
Exemplo: Considere uma empresa que opera em uma região economicamente deprimida de um estado. Para incentivar o desenvolvimento econômico, o estado pode conceder uma isenção de imposto de renda para essa empresa. No entanto, a isenção é condicionada ao fato de a empresa manter um certo número de empregos na região. Se a empresa falhar em manter esse número de empregos, a isenção pode ser revogada.
2d. Diferenças entre isenção, imunidade e não incidência
Apesar de parecerem similares, isenção, imunidade e não incidência são institutos jurídicos diferentes no âmbito do Direito Tributário, com nuances e implicações distintas.
- Isenção, como mencionado anteriormente, ocorre quando há a ocorrência do fato gerador, ou seja, a situação descrita em lei que gera a obrigação de pagar o tributo, mas o legislador opta por desonerar o contribuinte do pagamento. O fato gerador ocorre, mas a obrigação de pagar é excluída. Por exemplo, a isenção do Imposto de Renda Pessoa Física para pessoas com algumas doenças graves, como câncer e AIDS.
- Imunidade é uma limitação constitucional ao poder de tributar. Ou seja, a Constituição Federal veda a incidência do tributo sobre determinados fatos, pessoas ou bens. O fato gerador não ocorre, porque a Constituição proíbe a sua ocorrência. As imunidades estão previstas nos artigos 150, 151 e 152 da Constituição Federal. Por exemplo, a imunidade de impostos sobre o patrimônio, renda ou serviços de partidos políticos, entidades sindicais dos trabalhadores, instituições de educação e assistência social sem fins lucrativos e templos de qualquer culto (artigo 150, inciso VI da CF/88).
- Não incidência ocorre quando o fato não está previsto na lei como fato gerador do tributo. Ou seja, não existe a obrigação de pagar o tributo porque a situação não está descrita na lei como geradora dessa obrigação. A não incidência, em regra, não necessita de previsão legal expressa. Por exemplo, não incide ICMS sobre a venda de imóveis, porque essa situação não está prevista na lei como fato gerador do ICMS.
3. Anistia
a. Definição
A anistia tributária é um instituto jurídico que se configura pela renúncia do Estado ao seu direito de punir, extinguindo os créditos tributários que derivem de penalidades pecuniárias e outras penalidades no campo do direito tributário. Isso quer dizer que ela tem a função de perdoar as infrações cometidas pelos contribuintes, desde que estas sejam anteriores à vigência da lei que concedeu a anistia.
É importante ressaltar que a anistia se diferencia do perdão, pois é concedida antes da constituição definitiva do crédito tributário (antes do lançamento). Ou seja, é um perdão dado de maneira antecipada. Ademais, ela é direcionada às penalidades aplicadas por descumprimento das obrigações tributárias, e não ao valor principal do tributo em si.
Para ilustrar, imagine uma empresa que deixou de entregar a declaração de imposto de renda no prazo estabelecido pela legislação, incorrendo, assim, em multa. Posteriormente, o governo publica uma lei concedendo anistia para multas de atraso na entrega da declaração de impostos. Neste caso, a empresa estaria desobrigada de pagar a multa, já que ela foi anistiada.
b. Art. 180. A anistia abrange exclusivamente as infrações cometidas anteriormente à vigência da lei que a concede, não se aplicando:
I – aos atos qualificados em lei como crimes ou contravenções e aos que, mesmo sem essa qualificação, sejam praticados com dolo, fraude ou simulação pelo sujeito passivo ou por terceiro em benefício daquele;
II – salvo disposição em contrário, às infrações resultantes de conluio entre duas ou mais pessoas naturais ou jurídicas.
Este artigo limita a abrangência da anistia, estabelecendo que ela não se aplica a atos classificados como crimes ou contravenções, nem a infrações cometidas de forma dolosa, fraudulenta ou simulada. Além disso, a anistia também não se estende a infrações frutos de conluio, a não ser que a própria lei que concede a anistia determine o contrário.
Um exemplo de situação que não seria coberta pela anistia seria o caso de uma empresa que, em conluio com outras empresas, praticou sonegação fiscal através de manobras contábeis ilegais. Mesmo que o governo posteriormente publicasse uma lei concedendo anistia para penalidades relacionadas ao atraso no pagamento de impostos, essa empresa não se beneficiaria dessa anistia devido ao caráter doloso e fraudulento de suas ações, bem como ao fato de ter atuado em conluio com outras empresas.
3c. Art. 181. A anistia pode ser concedida: I – em caráter geral; II – limitadamente:
A anistia é um instrumento utilizado pelo Estado para dispensar o contribuinte do pagamento de penalidades aplicadas em razão do descumprimento de suas obrigações tributárias.
Existem dois modos principais pelos quais a anistia pode ser concedida:
I. Em caráter geral – Quando a anistia é concedida em caráter geral, ela se aplica a todos os contribuintes que se encontrem em uma determinada situação prevista na lei. Por exemplo, suponha que muitos contribuintes não pagaram um imposto específico por acreditar que este era inconstitucional. Depois que a constitucionalidade do imposto é confirmada pelo Supremo Tribunal Federal, a autoridade tributária decide conceder uma anistia em caráter geral para todas as multas e juros decorrentes desse não pagamento.
II. Limitadamente – A anistia pode ser limitada a certas circunstâncias especificadas na lei que a concede. Pode ser limitada em relação a:
- a) infrações da legislação relativa a determinado tributo – por exemplo, uma anistia pode ser concedida para penalidades associadas ao não pagamento de Imposto sobre a Propriedade de Veículos Automotores (IPVA), mas não para outros tributos.
- b) infrações punidas com penalidades pecuniárias até determinado montante – por exemplo, a anistia pode abranger apenas multas de até R$ 500.
- c) determinada região do território da entidade tributante, em função de condições a ela peculiares – por exemplo, uma anistia pode ser concedida para multas associadas a impostos devidos em uma área particular que foi atingida por um desastre natural.
- d) sob condição do pagamento de tributo no prazo fixado pela lei que a conceder – por exemplo, uma anistia pode ser concedida para multas e juros desde que o contribuinte pague o imposto devido dentro de um determinado prazo.
3d. Art. 182. A anistia, quando não concedida em caráter geral, é efetivada, em cada caso, por despacho da autoridade administrativa, em requerimento com a qual o interessado faça prova do preenchimento das condições e do cumprimento dos requisitos previstos em lei para sua concessão. Parágrafo único. O despacho referido neste artigo não gera direito adquirido, aplicando-se, quando cabível, o disposto no artigo 155.
Quando a anistia é concedida de forma limitada, ou seja, não em caráter geral, a concessão desta não ocorre automaticamente. O contribuinte interessado deve solicitar a anistia à autoridade administrativa competente, comprovando que cumpre as condições e requisitos estabelecidos pela lei que concede a anistia.
O despacho da autoridade que concede a anistia não gera um direito adquirido. Isso significa que se a autoridade administrativa posteriormente descobre que o contribuinte não cumpriu ou deixou de cumprir os requisitos para a concessão da anistia, a autoridade pode revogar a anistia.
Por exemplo, suponha que um município concedeu uma anistia limitada a proprietários de imóveis que instalassem sistemas de energia solar em suas propriedades. Um proprietário de imóvel solicita a anistia, alegando ter instalado um sistema de energia solar, e a autoridade administrativa concede a anistia com base nessa alegação. Posteriormente, descobre-se que o proprietário do imóvel na verdade não instalou o sistema de energia solar. Nesse caso, a anistia pode ser revogada.
Conclusão
A concessão de anistia é uma medida excepcional que visa eliminar as penalidades aplicáveis às infrações cometidas antes da vigência da lei que a concede. Esta medida, no entanto, não cobre infrações qualificadas como crimes ou contravenções e não é aplicável a atos praticados com dolo, fraude ou simulação pelo sujeito passivo ou por terceiro em benefício daquele.
Além disso, a concessão da anistia não gera direito adquirido, de forma que a autoridade administrativa pode revogá-la caso se apure que o beneficiado não satisfazia ou deixou de satisfazer as condições ou não cumpriu ou deixou de cumprir os requisitos para a concessão da anistia. Nesse caso, o crédito será cobrado acrescido de juros de mora, com ou sem a imposição de penalidades, dependendo do caso.
É importante notar que a aplicação da anistia deve sempre respeitar os princípios da legalidade, da moralidade e da finalidade pública, tendo em vista que sua concessão pode resultar na perda de receita para o Estado e, consequentemente, na diminuição dos recursos disponíveis para a execução de políticas públicas.
Em suma, a anistia é uma ferramenta importante na política fiscal e tributária de um país, pois pode auxiliar na regularização de contribuintes inadimplentes e estimular a adimplência fiscal. No entanto, seu uso deve ser criterioso e excepcional, de forma a evitar a criação de incentivos negativos ao cumprimento voluntário das obrigações fiscais.