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31/07/2023Primeiras Civilizações e o Direito
02/08/20231. Conceito de pré-história
A pré-história é o período que antecede a invenção da escrita, um marco que separa os tempos históricos dos pré-históricos. Este período é vasto e complexo, estendendo-se desde o surgimento dos primeiros hominídeos até por volta de 5.000 anos atrás, quando as primeiras formas de escrita começaram a ser desenvolvidas. O estudo da pré-história é dividido em diferentes eras, a saber:
- Paleolítico (Idade da Pedra Antiga): Desde o surgimento dos primeiros hominídeos, cerca de 2,5 milhões de anos atrás, até 10.000 a.C. Esta era é marcada pela fabricação e uso de ferramentas de pedra, bem como pela existência de sociedades nômades de caçadores-coletores.
- Mesolítico (Idade da Pedra Média): Cerca de 10.000 a.C. a 7.000 a.C., este período é caracterizado por um aumento na complexidade das ferramentas e nas estratégias de subsistência.
- Neolítico (Idade da Pedra Nova): De 7.000 a.C. até o surgimento da escrita, por volta de 3.000 a.C. É um período marcado pelo desenvolvimento da agricultura, sedentarização das comunidades e um aumento na complexidade social.
Estudar a pré-história é um desafio, visto que carecemos de fontes escritas. A arqueologia e a paleoantropologia são as principais disciplinas que nos auxiliam a entender este período, com base em artefatos, fósseis, e estudos genéticos.
Algumas descobertas importantes que ilustram este período incluem:
- Sítios arqueológicos, como Olduvai Gorge na Tanzânia: Estes locais fornecem evidências importantes sobre os primeiros hominídeos, como o Homo habilis.
- Artefatos, como as ferramentas de pedra encontradas em vários locais: Estas ferramentas evidenciam o desenvolvimento cognitivo e habilidades motoras dos primeiros humanos.
- Pinturas rupestres, como as da Caverna Chauvet na França: As pinturas oferecem insights sobre a vida, a cultura, e talvez até sobre as crenças religiosas dos seres humanos pré-históricos.
A pré-história é fundamental para compreender a jornada da humanidade, desde as origens mais primitivas até o surgimento das primeiras civilizações. As transformações sociais, culturais e tecnológicas dessa era estabeleceram as bases para desenvolvimentos posteriores em várias áreas, incluindo o surgimento do direito como um sistema estruturado de regras e normas. Ao refletir sobre os aspectos da vida pré-histórica, somos capazes de traçar os contornos dos princípios básicos que governam nossas vidas até hoje, oferecendo um olhar profundo sobre a natureza humana e nossa evolução como espécie.
2. Evolução do ser humano
a. 2 milhões de anos atrás: Surgimento dos primeiros hominídeos
A evolução humana começou com o surgimento dos primeiros hominídeos, como o Australopithecus, que deu origem ao gênero Homo. Por volta de 2,5 milhões de anos atrás, o Homo habilis surgiu na África. Essa espécie era caracterizada por uma capacidade craniana maior e o uso de ferramentas de pedra. O sítio arqueológico de Olduvai Gorge na Tanzânia é uma fonte rica de informações sobre esses primeiros hominídeos.
b. evolução da humanidade
A humanidade continuou a evoluir com o surgimento de outras espécies como o Homo erectus, que migrou para a Ásia, e o Homo neanderthalensis, que se estabeleceu na Europa. Há evidências de uma maior complexidade social e tecnológica durante esse período, incluindo o uso do fogo e a fabricação de ferramentas mais sofisticadas.
c. Entre 100 mil e 50 mil anos atrás: Homo sapiens desenvolve a fala
O surgimento do Homo sapiens, nossa própria espécie, por volta de 300.000 anos atrás na África, marcou um ponto crucial na evolução humana. Entre 100 mil e 50 mil anos atrás, o Homo sapiens desenvolveu a fala, um avanço essencial para o surgimento do direito, pois permitiu a comunicação de regras.
- Essencial para o surgimento do direito: A capacidade de falar permitiu aos humanos coordenar, negociar e estabelecer normas sociais básicas.
- Permite comunicar as regras: A linguagem possibilitou a transmissão de tradições, regras e conhecimento através das gerações.
- Pensamento abstrato: Essa capacidade de comunicação complexa levou ao desenvolvimento do pensamento abstrato, crucial para a compreensão de conceitos como justiça e equidade.
- Fabricação de instrumentos: A habilidade de manipular ferramentas de pedra, osso e madeira se tornou mais sofisticada.
- Sepulturas: Surgimento de práticas funerárias, possivelmente refletindo crenças espirituais e religiosas.
d. Há cerca de 20 mil anos:
- Instrumentos e armas de pedra e osso: O desenvolvimento de instrumentos mais refinados indica uma complexidade maior nas técnicas de caça e na vida cotidiana.
- Alimentos cozidos: A culinária, através do cozimento, permitiu uma dieta mais diversificada e rica em nutrientes, o que teve impacto na saúde e na organização social.
- Pinturas rupestres: As pinturas em cavernas como Lascaux na França são testemunhas de uma rica vida cultural e espiritual, possivelmente ligada a rituais e mitologia.
A trajetória da evolução humana é complexa e multifacetada. Desde o surgimento dos primeiros hominídeos, passando pelo desenvolvimento da fala e a criação de artefatos cada vez mais sofisticados, a humanidade demonstrou uma capacidade notável de adaptação e inovação. Esses avanços não apenas moldaram nossa biologia e comportamento, mas também lançaram as bases para sistemas sociais mais complexos, incluindo o surgimento de normas e regras que eventualmente culminaram no conceito de direito.
3. Surgimento do Direito (cerca de 20 mil anos atrás)
O surgimento do Direito como um sistema formalizado de regras e normas é um fenômeno complexo que tem suas raízes na pré-história. Ainda que a escrita e as leis codificadas sejam desenvolvimentos mais recentes, a existência de regras sociais e padrões de comportamento pode ser traçada até os primeiros agrupamentos humanos.
a. Possíveis regras:
- Estruturação da família (incesto, natalidade): A regulação do casamento e das relações familiares, incluindo proibições de incesto, pode ser considerada uma das primeiras formas de normas sociais. Tais regras poderiam ter sido implementadas para fortalecer alianças entre grupos e evitar problemas genéticos.
- Especialização dos espaços (uso do fogo): A designação de áreas específicas para atividades como cozinhar, dormir, ou realizar rituais pode refletir uma forma inicial de ordenamento espacial, essencial para a organização e segurança da comunidade.
- Divisão do trabalho: A separação de tarefas e responsabilidades dentro da comunidade, muitas vezes baseada em sexo, idade, ou habilidade, é um exemplo de uma norma social que poderia existir para garantir a eficiência e sobrevivência do grupo.
b. Características das regras:
- Pouco abstratas: As regras iniciais eram provavelmente muito concretas, ligadas a necessidades imediatas e observáveis, como a divisão justa de alimentos ou a proteção contra perigos.
- Religiosidade: Muitas das normas iniciais podem ter estado profundamente entrelaçadas com crenças religiosas e espirituais. Por exemplo, certas práticas, como rituais de sepultamento, podem ter sido reguladas por regras ligadas a crenças sobre a vida após a morte.
- Coletivismo: Em um ambiente onde a sobrevivência do grupo era primordial, as regras provavelmente enfatizavam o bem-estar coletivo em detrimento do individual. Isso pode ser visto nas estratégias de caça coletiva ou na partilha igualitária de recursos.
O surgimento do Direito na pré-história não é algo que possa ser facilmente documentado ou definido, dada a falta de registros escritos. No entanto, através da arqueologia, antropologia e estudo de sociedades contemporâneas ainda ligadas a práticas tradicionais, podemos inferir que os primeiros humanos desenvolveram uma variedade de regras e normas para regular sua convivência. Essas normas eram provavelmente flexíveis e adaptáveis, refletindo as necessidades e crenças da comunidade. Ao longo do tempo, essas práticas iniciais se tornaram mais formalizadas e complexas, eventualmente levando ao desenvolvimento de sistemas legais codificados. A observação das regras primitivas e suas características nos dá uma visão fascinante dos primórdios do Direito e de como ele se desenvolveu em resposta às necessidades humanas.
c. Possíveis Fontes
Na ausência de escrita, os primeiros sistemas de direito se basearam em mecanismos informais e não escritos para transmitir e fazer cumprir as regras. Essas fontes de direito na pré-história incluíam:
- Costumes: Muitas das regras iniciais eram transmitidas através de costumes, que são práticas tradicionais e padrões de comportamento que evoluem ao longo do tempo. Essas práticas eram geralmente transmitidas oralmente e eram reforçadas pela repetição e aceitação dentro da comunidade. Por exemplo, métodos de caça ou pesca específicos podem ter sido transmitidos através de gerações como parte de um costume.
- Provérbios, regras orais relembradas: Provérbios e cantos poderiam servir como ferramentas mnemônicas para lembrar e transmitir leis e normas. Essa prática ainda pode ser observada em algumas sociedades tribais contemporâneas, onde os provérbios são usados para ensinar lições morais e guiar o comportamento.
- Precedentes: A tomada de decisões baseada em casos anteriores também pode ter sido uma forma primitiva de jurisprudência. Se uma disputa foi resolvida de uma certa maneira no passado, essa decisão poderia servir como um guia para resoluções futuras.
d. Exemplos de regras atuais que podem ter existido no passado
Ao olhar para as práticas legais em algumas sociedades tradicionais, podemos encontrar vestígios de como as regras podem ter existido na pré-história.
- Normas costumeiras (Zaire):
- Geral: “O homem desbravará o campo para a mulher” – uma norma que reflete uma divisão tradicional do trabalho.
- Jurisprudencial: “Se uma mulher se revolta contra seu marido pela preguiça deste, deverá ser devolvida ao marido pelo Tribunal. Se o marido não se porta bem novamente, deve ser condenado.” – reflete uma forma de resolver conflitos domésticos.
- Provérbios do Kongo:
- “A marmota foi comida pela cobra. É uma história da floresta: elas que se arranjem uma com a outra” – um provérbio que pode sugerir uma forma de resolver disputas através da auto-resolução.
- “Tu, que distribuis comida ao rato da floresta, não esqueças os ratos que habitam a tua palhota” – um ensinamento que pode ter sido usado para instruir sobre as responsabilidades familiares ou comunitárias.
As práticas legais da pré-história refletem uma sofisticação e complexidade que vão além das noções simplistas de “lei da selva.” Essas regras eram dinâmicas e adaptáveis, refletindo as necessidades, valores e crenças da comunidade. Os costumes, provérbios e precedentes serviam como meios eficazes de transmitir e fazer cumprir as regras, na ausência de um sistema escrito. A observação das práticas contemporâneas em sociedades tradicionais oferece uma janela para entender como essas primitivas regras legais podem ter funcionado e como elas lançaram as bases para o desenvolvimento do Direito como o conhecemos hoje.
4. Conclusão
O estudo do Direito na pré-história oferece uma visão fascinante da evolução humana e das complexas redes de interação social que caracterizam nossas sociedades. Embora estejamos distantes no tempo dessas primeiras comunidades, os princípios fundamentais que regiam suas vidas continuam a ressoar em muitas das estruturas legais e sociais de hoje.
A estruturação da família, a divisão do trabalho, a regulamentação do espaço, e o desenvolvimento de normas e regras não escritas mostram uma sofisticação e uma complexidade que desafiam a noção de que o Direito é um fenômeno exclusivo de sociedades modernas e avançadas. Através do costume, provérbios, e precedentes, os humanos pré-históricos foram capazes de criar sistemas eficazes de governança que atendiam às suas necessidades e refletiam seus valores.
Os vestígios dessas práticas ainda podem ser encontrados em algumas sociedades contemporâneas, servindo como uma ponte para o nosso passado e um lembrete da natureza universal e atemporal das necessidades humanas básicas de ordem, justiça e comunidade.
O estudo do Direito na pré-história não é apenas um exercício acadêmico, mas uma exploração vital para entender a nós mesmos e nossa jornada contínua em busca de formas justas e equitativas de viver juntos. Através da lente da história, somos lembrados de que o Direito é, em sua essência, uma construção humana, moldada pelas circunstâncias, cultura e colaboração. É um testemunho da nossa capacidade de adaptar, crescer e encontrar significado e estrutura, mesmo nas condições mais primitivas e desafiadoras.
Sugestão:
John Gilissen, Introdução Histórica ao Direito