Pluralistas jurídicos
07/04/2018Post with vertical image
15/08/2020Durante o século XX, o direito positivo passa a buscar um novo fundamento valorativo para sua validade, após o enfraquecimento da crença no direito natural. A questão é: uma norma jurídica é válida independentemente de seu conteúdo? Os jusnaturalistas respondiam que essa validade dependia do respeito ao direito natural, mas essa resposta deixa de ser aceita pelos juristas.
Nesse momento, dissemina-se a crença da relatividade e da pluralidade moral. Acredita-se que existem várias morais na sociedade, nenhuma superior às demais. Como todas as moralidades teriam a mesma qualidade, emergem teorias argumentativas e retóricas que tentam privilegiar a discussão, sem impor verdades definitivas.
Viehweg (1907-1988)
Viehweg (1907-1988) afirma que o pensamento jurídico não pode ser considerado um pensamento matemático, adotando uma lógica dedutiva. Ao contrário, seria um pensamento:
1. Problemático, pois raciocinaria a partir de alternativas de resolução a problemas;
2. Dogmático, pois teria por objetivo justamente a resolução dos problemas práticos e não a mera reflexão teórica.
Direito é pensamento problemático e dogmático; não é matemático
Para ele, o problema central do raciocínio jurídico seria conhecer o justo em um caso concreto. A resolução desse problema partiria de tópicos, ou seja, de pontos de vista socialmente aceitos. O ordenamento jurídico, por meio das leis, forneceria ao jurista alguns desses pontos de vista, mas não todos.
Lei é apenas um tópico de onde pode partir a decisão
O autor sugere, assim, que o juiz olhe para o problema, que é o caso concreto, e não apenas para o sistema de leis, em busca da decisão de um modo mais inventivo. A partir da análise do fato, deveria chegar às premissas da solução, não necessariamente limitadas às legais. Em outras palavras, o juiz poderia julgar conforme o ponto de vista das leis, mas não precisaria fazer apenas isso.
Juiz deve encarar o fato como um problema e buscar a decisão para resolvê-lo
Chaïm Perelman (1912-1984)
Chaïm Perelman (1912-1984) é um filósofo que também reflete sobre o direito. Entre outras coisas, ele refunda a teoria da Retórica, afirmando que, numa discussão, um argumento será válido de for aceito por um auditório. Além disso, existiriam técnicas para convencer o auditório da validade desse argumento. Nesse sentido, a verdade está relativizada, sendo apenas questão de se aceitar um ponto de vista.
Verdade relativa – deriva da aceitação um ponto de vista
O direito seria um ótimo exemplo de retórica. Envolve argumentos e raciocínios utilizados por um juiz para convencer o auditório jurídico. Esse auditório seria composto pelos profissionais, pelas partes e pela sociedade como um todo.
Direito = argumentos para convencer auditório jurídico (juristas + partes + sociedade)
Nas discussões judiciais, as partes apresentam provas e argumentos para convencer o juiz. Este decide a partir de normas jurídicas e princípios, recorrendo, em sua fundamentação, aos métodos de interpretação. A decisão, portanto, deveria convencer o complexo auditório jurídico recorrendo a técnicas reconhecidas e aceitas pelo direito.
A questão 11, da prova branca do XIII Exame de Ordem (do Brasil), tratou do pensamento do filósofo. Seu enunciado afirmou: “Segundo Chaïm Perelman, ao tratar da argumentação jurídica na obra Lógica Jurídica, a decisão judicial aceitável deve satisfazer três auditórios para os quais ela se destina”. A alternativa a ser assinalada indicava tais auditórios: “As partes em litígio, os profissionais do direito e a opinião pública”.
Tércio Sampaio Ferraz Júnior (1940)
Tércio Sampaio Ferraz Júnior (1940) é um jurista brasileiro que desde a década de 1970 analisa o direito do ponto de vista do discurso jurídico. O conflito é visto como um problema comunicacional: as partes conflitantes não conseguem chegar a um consenso. O juiz é um terceiro comunicador buscado para impor esse consenso, ou seja, a solução do conflito, às partes.
Conflito é problema comunicacional
Quando o juiz é procurado, a comunicação que estava interrompida pelo conflito precisa ser restabelecida em um processo judicial, tornando-se obrigatória (pense na revelia). As partes comunicam ao juiz versões dos fatos; o juiz comunica às partes sua versão do direito, por meio da decisão que encerra a discussão.
Processo restabelece a comunicação interrompida
Além disso, Tércio fala do desafio kelseniano: Kelsen afirmaria que a interpretação do direito é arbitrária e não científica. Para o jurista brasileiro, isso seria verdade em parte. A interpretação feita por um juiz estaria presa à necessidade de ser válida, adequada aos valores do direito e útil para resolver o conflito. Ela seria obtida mediante o recurso aos métodos de interpretação.
Interpretação jurídica deve ser válida, conforme os valores e útil para resolver o conflito
O juiz, assim, aplicando os métodos de interpretação poderia chegar a alguns resultados para o conflito, mas não a resultados ilimitados. Depois disso, ele escolheria o resultado mais adequado. Note-se: há arbítrio na interpetação, mas esse arbítrio é limitado pelo próprio direito. Não é qualquer interpretação que seria juridicamente aceita.
Por fim, o autor enfrenta a questão do raciocínio jurídico. No momento de aplicar o direito, o juiz não chegaria à decisão de modo meramente dedutivo ou matemático. Para poder decidir, ele precisaria primeiro construir um significado para a norma, num processo valorativo nada automático. Na construção desse significado, recorreria aos citados métodos de interpretação e também aos argumentos jurídicos.
Interpretação não é meramente lógica, mas valorativa
Neil MacCormick (1941-2009)
Neil MacCormick (1941-2009) pensa a partir da contraposição entre casos fáceis e casos difíceis. Os casos fáceis seriam decididos de modo quase automático, não havendo dificuldades para o conhecimento dos fatos nem para a interpretação das normas, consideradas claras. Os juízes podem usar uma lógica matemática, operando por deduções.
Casos fáceis decididos de modo lógico e automático
Já os casos difíceis não seriam claros quanto aos fatos ou ao significado das normas, exigindo uma interpretação e uma justificação mais complexas. Podemos estar diante de uma lacuna (inexistência de normas), de uma antinomia (conflito de normas) ou de uma ambiguidade normativa.
Casos difíceis são mais complexos – lacuna, antinomia, ambiguidade
A resolução desses casos exigiria o recurso a uma argumentação mais refinada, a justificação de segunda ordem. O juiz precisaria demonstrar a consequência da decisão que pretende tomar, indicando que os resultados seriam aceitáveis, além de demonstrar sua coerência/consistência com o ordenamento, ou seja, o respeito aos princípios gerais do direito. Essas decisões não seriam dedutivas como a dos casos fáceis, requerendo um trabalho maior de reflexão do intérprete.
Casos difíceis requerem justificação de segunda ordem (demonstrar aceitabilidade da decisão e respeito aos princípios)