Quarta Revolução Industrial e questões jurídicas
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26/04/2024A crise definitiva do capitalismo, decorrente da Quarta Revolução Industrial, é provocada pela digitalização da economia, pela financeirização global dos mercados de ações e pela desconexão da movimentação financeira em relação à realidade, estruturando-se uma economia cuja riqueza não se materializa em benefícios para a sociedade.
A digitalização da economia refere-se ao processo de transformação dos processos produtivos, dos modelos de negócio e das relações de trabalho, por meio do uso intensivo de tecnologias digitais, como a internet, a computação em nuvem, a inteligência artificial, o big data, a internet das coisas, a biotecnologia, a nanotecnologia, a robótica, entre outras.
Essas tecnologias permitem a criação de novos produtos, serviços, mercados e formas de organização, gerando uma maior eficiência, inovação e competitividade, mas também trazendo desafios, como a substituição de trabalhadores humanos por máquinas, a precarização das condições de trabalho, a concentração de poder econômico e a desregulação jurídica.
A financeirização global dos mercados de ações consiste na expansão e na complexificação das transações financeiras que envolvem ações, títulos, moedas, derivativos, fundos, entre outros ativos, que circulam em escala global, com alta velocidade e volatilidade, por meio de plataformas digitais.
Essas transações são realizadas por agentes financeiros, como bancos, empresas, fundos de investimento, fundos de pensão, fundos soberanos, etc., que buscam obter lucros rápidos e elevados, sem levar em conta os riscos, as externalidades e os impactos sociais e ambientais de suas operações.
A financeirização global dos mercados de ações aumenta a instabilidade, a especulação, a desigualdade e a fragilidade do sistema econômico, além de reduzir o papel do Estado na regulação e na intervenção econômica.
A desconexão da movimentação financeira em relação à realidade significa que as transações financeiras realizadas nos mercados de ações não correspondem à produção e à distribuição de bens e serviços na economia real, nem refletem o valor intrínseco das empresas e dos ativos negociados.
Pelo contrário, essas transações são baseadas em expectativas, percepções, informações assimétricas, algoritmos, manipulações, fraudes, etc., que criam bolhas, distorções, ilusões e crises financeiras, que afetam negativamente a economia real e a sociedade.
Assim, a desconexão da movimentação financeira em relação à realidade gera uma economia cuja riqueza é fictícia, virtual e concentrada nas mãos de poucos agentes financeiros, e não se materializa em benefícios para a sociedade, como o crescimento, o emprego, a renda, o bem-estar, a inclusão e o desenvolvimento social e sustentável.
A partir dessa análise, podemos concluir que a digitalização da economia, a financeirização global dos mercados de ações e a desconexão da movimentação financeira em relação à realidade são expressões da crise estrutural do capitalismo, que se manifesta na contradição entre o desenvolvimento das forças produtivas e as relações sociais de produção.
Essa contradição gera uma tendência decrescente da taxa de lucro, que é a medida do sucesso do sistema capitalista, e que resulta da queda da participação do trabalho vivo no processo produtivo, devido ao aumento da composição orgânica do capital, ou seja, da substituição de trabalho por máquinas e tecnologias.
A tendência decrescente da taxa de lucro também implica um aumento do grau de desperdício gerado pela necessidade capitalista de produzir lucro, independentemente das necessidades e dos interesses da sociedade. O aumento da parcela orgânica do capital, ou seja, da proporção de máquinas e tecnologias em relação ao trabalho vivo, significa que uma parte cada vez maior do valor produzido é consumida pelo próprio processo produtivo, e não se transforma em mais-valia, que é a fonte do lucro.
Além disso, o aumento da composição orgânica do capital leva a uma maior concorrência entre os capitais, que buscam reduzir seus custos e aumentar sua produtividade, mas que acabam por anular seus ganhos relativos, pois todos os capitais se equiparam tecnologicamente e nivelam seus preços.
Assim, o capitalismo produz um enorme desperdício de recursos, de energia, de tempo, de conhecimento, de criatividade, de potencial humano, que são subordinados à lógica do lucro, e não às necessidades e aos desejos da humanidade.
Essa lógica leva à busca desordenada pela inovação, que visa apenas aumentar a produtividade e o lucro capitalista, sem considerar as consequências sociais e ambientais, gerando um modelo de desenvolvimento insustentável, que agrava os problemas ecológicos do planeta.
A utilização amplificada de matéria-prima e a exaustão ambiental são alguns dos efeitos negativos dessa lógica, que comprometem a qualidade de vida das atuais e das futuras gerações, e colocam em risco a própria sobrevivência da humanidade.
A precarização social é um dos efeitos perversos da digitalização da economia, que aprofunda a desigualdade, a exclusão e a exploração no mundo do trabalho. A tendência à informalidade, à terceirização, à uberização, à robotização e à inteligência artificial reduz os direitos, as garantias e as proteções dos trabalhadores e trabalhadoras, aumentando sua vulnerabilidade e sua dependência em relação ao capital.
Essa situação gera um ambiente de frustração, de ressentimento e de desesperança, que favorece o surgimento e a difusão de discursos e de práticas autoritárias, que negam a democracia, a diversidade e os direitos humanos.
Um exemplo de saída autoritária na Europa é o caso da Hungria, onde o primeiro-ministro Viktor Orbán, líder do partido nacionalista Fidesz, tem governado o país desde 2010 com um discurso anti-imigração, anti-União Europeia e antidemocracia liberal. Orbán aproveitou-se da pandemia de Covid-19 para obter poderes especiais do parlamento, que lhe permitem governar por decreto, sem limites de tempo ou de revisão judicial. Além disso, Orbán tem restringido a liberdade de imprensa, a independência do judiciário, os direitos das minorias e a participação da sociedade civil, consolidando um regime autoritário que ele mesmo denominou de “democracia iliberal”.
Outro dos efeitos da digitalização da economia é a exclusão de milhões de pessoas que não têm acesso às novas tecnologias ou que não conseguem se adaptar às exigências do mercado de trabalho cada vez mais competitivo e flexível. Essas pessoas, marginalizadas pela lógica capitalista, buscam outras formas de sobrevivência e de identidade, muitas vezes recorrendo a formas pré-capitalistas de organização, baseadas na família, na religião, na etnia ou na nação.
Essas formas de organização, por sua vez, podem se tornar fontes de conflito e de violência, pois tendem a rejeitar a diversidade, a pluralidade e o diálogo, e a legitimar o uso direto da força por grupos sociais dominantes, contra os direitos e as liberdades dos demais. Assim, a digitalização da economia pode alimentar o surgimento de saídas autoritárias, que negam os valores democráticos e humanistas.
Uma das manifestações mais preocupantes da ascensão de saídas autoritárias é o crescimento da extrema direita religiosa, especialmente nos Estados Unidos e no Brasil, países com grande influência política, econômica e cultural na América e no mundo.
Movimentos evangélicos conservadores, que defendem uma visão fundamentalista e literal da Bíblia, têm se aliado a partidos e líderes políticos de extrema direita, que prometem defender os valores da família, da moral e da fé cristã, contra as supostas ameaças do comunismo, do secularismo, do feminismo, do aborto, da homossexualidade, da imigração e de outras minorias.
Esses movimentos, que contam com o apoio de grandes conglomerados midiáticos e empresariais, têm mobilizado milhões de fiéis e eleitores, que veem nessas alianças uma forma de garantir sua identidade, sua segurança e seu bem-estar, em um contexto de crise social, econômica e ambiental.
No entanto, essa aliança entre política e religião representa um grave risco para a democracia, pois visa impor uma visão de mundo única e intolerante, que nega a diversidade, a pluralidade e o diálogo, e que legitima o uso da violência, da manipulação e da mentira, para atingir seus objetivos.
Papel fundamental do direito digital
Para enfrentar esses desafios, é preciso reconhecer o papel fundamental do direito digital, que não pode se limitar a criar condições para a persistência da economia capitalista em colapso, mas deve contribuir para a construção de uma sociedade mais justa, democrática e sustentável.
O direito digital é o conjunto de normas, princípios e instituições que regulam as relações sociais mediadas pelas novas tecnologias digitais, como a internet, os algoritmos, a inteligência artificial, a biotecnologia, a nanotecnologia, entre outras. O direito digital tem a função de garantir os direitos fundamentais das pessoas no ambiente digital, como a privacidade, a liberdade de expressão, o acesso à informação, a educação, a saúde, a cultura, a participação política, entre outros.
Além disso, o direito digital deve promover a inclusão digital, a democratização do conhecimento, a diversidade cultural, a proteção do meio ambiente, a cooperação internacional e a paz.
O direito digital é especialmente importante neste momento histórico, pois pode:
- Socializar o algoritmo e a inteligência artificial, direcionando-os para a solução dos problemas mais graves da humanidade, como a fome, a pobreza, a desigualdade, a violência, as doenças, as mudanças climáticas, entre outros. Isso implica em garantir a transparência e a responsabilidade dos sistemas de inteligência artificial, evitando que eles sirvam a interesses privados.
- Conduzir a transição para uma outra sociedade cujas forças produtivas, em especial a tecnologia, sejam dirigidas para a solução dos problemas fundamentais da humanidade, e não para a acumulação de capital e de poder nas mãos de poucos. Isso implica em garantir a soberania e a autodeterminação da humanidade como um todo sobre seus recursos naturais, culturais e tecnológicos, evitando a exploração, a expropriação, a dominação ou a dependência de interesses privados.
- Criar espaços neutros de debate público, respeitando a liberdade de expressão, disseminando ideias sem o uso de algoritmos que distribuem pensando no lucro, e combatendo a desinformação, as fake news, os discursos de ódio e as polarizações que ameaçam a convivência democrática. Isso implica em garantir a pluralidade, a diversidade, o contraditório, o diálogo, o respeito e a tolerância entre as diferentes opiniões, crenças, valores e identidades que compõem a sociedade.
- Superar os estados nacionais e estruturar um estado global para gerir a economia e a sociedade globalizadas, garantindo a cooperação, a solidariedade, a integração e a coordenação entre as diferentes nações, regiões e comunidades do mundo. Isso implica em garantir a representação, a participação, a deliberação e a accountability dos órgãos e instituições globais, evitando que eles sejam capturados por interesses particulares, hegemônicos ou imperialistas.
- Construir uma sociedade que valorize a cooperação, a solidariedade, a diversidade, a participação e a democracia, e que reconheça os direitos humanos como universais, indivisíveis e interdependentes. Isso implica em garantir a dignidade, a igualdade, a justiça, a liberdade, a segurança e o bem-estar de todas as pessoas, sem distinção de qualquer natureza, respeitando sua diversidade cultural, étnica, religiosa, de gênero, de orientação sexual, de idade, de habilidade, entre outras.
O direito digital, portanto, é uma ferramenta essencial para a transformação social, que deve estar a serviço dos interesses coletivos, dos valores democráticos e dos direitos humanos, e não dos interesses privados, dos valores autoritários e dos direitos do capital.
O direito digital deve ser construído de forma participativa, inclusiva, transparente e democrática, envolvendo todos os atores sociais relevantes, como os governos, as empresas, as organizações da sociedade civil, as universidades, os meios de comunicação, as comunidades e os cidadãos. Somente assim, o direito digital poderá contribuir para a superação das saídas autoritárias e para a construção de uma sociedade mais justa, democrática e sustentável, superando o persistente colapso capitalista.
Tópicos | Descrição |
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Crise do Capitalismo | A crise é provocada pela digitalização da economia, financeirização global dos mercados de ações e desconexão da movimentação financeira em relação à realidade. |
Digitalização da Economia | Refere-se à transformação dos processos produtivos, modelos de negócio e relações de trabalho através do uso intensivo de tecnologias digitais. |
Financeirização Global dos Mercados de Ações | Consiste na expansão e complexificação das transações financeiras que envolvem ações, títulos, moedas, derivativos, fundos, entre outros ativos, que circulam em escala global. |
Desconexão da Movimentação Financeira | As transações financeiras realizadas nos mercados de ações não correspondem à produção e distribuição de bens e serviços na economia real, nem refletem o valor intrínseco das empresas e dos ativos negociados. |
Tendência Decrescente da Taxa de Lucro | Resulta da queda da participação do trabalho vivo no processo produtivo, devido ao aumento da composição orgânica do capital, ou seja, da substituição de trabalho por máquinas e tecnologias. |
Papel Fundamental do Direito Digital | O direito digital é uma ferramenta essencial para a transformação social, que deve estar a serviço dos interesses coletivos, dos valores democráticos e dos direitos humanos, e não dos interesses privados, dos valores autoritários e dos direitos do capital. |