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20/11/2014Escolas da Exegese e da Evolução Histórica
02/04/2018A obra de Karl Marx (1818-1883) influencia de modo significativo o pensamento desde meados do século XIX. Seu impacto é profundo em diversas áreas do conhecimento, promovendo rupturas que ampliam e diversificam o alcance de nossas perspectivas.
Até Marx, o ponto de partida da filosofia e das ciências humanas é o indivíduo, considerado a célula que forma a sociedade. Diversos autores, por exemplo, filiam-se às correntes contratualistas, preconizando que a sociedade e o Estado são formados por meio de um pacto social entre os seres humanos, transmitindo poderes decorrentes da vontade individual para a soberania estatal. A própria noção de representação política parte da ideia de que o indivíduo, ser autônomo e consciente, pode escolher seus representantes por meio do voto.
Marx rompe com essa crença ao negar a existência do ser humano em si ou na natureza, fora das relações sociais. O ser humano, pois, é social desde que nasce, nas mãos de um médico ou de um parteiro. Qualquer consideração a respeito de sua essência individual não passa de mera especulação, sem fundamento científico.
Olhando para a sociedade capitalista, Marx vê, antes de indivíduos, relações de produção e de circulação de mercadorias. Tais relações segregam as pessoas em classes, conforme a posição que ocupam. De modo genérico, duas grandes classes formam essa sociedade: burgueses e trabalhadores. Fazer parte de uma ou de outra faz toda a diferença na caracterização do indivíduo, que será, ao invés de “humano” em abstrato, burguês ou trabalhador em concreto. Seu modo de ser e de pensar será fortemente influenciado por essa condição classista.
Sociedade composta por classes sociais, não por indivíduos isolados
Marx também rompe com a ideia de racionalidade consciente e espiritual movimentando a história e determinando os passos da humanidade. Sua perspectiva é materialista, partindo da constatação de que toda sociedade enfrenta um problema básico, cuja solução repercute em todas as demais instâncias: a produção de bens que permitam sua continuidade. Sem alimentos, casas, roupas, eventualmente armas, nenhuma sociedade subsiste; observar como seus membros se organizam para produzir essas coisas é entender o que há de fundamental, inclusive o significado concreto de suas crenças e valores.
Problema básico de toda sociedade: produzir bens
Todavia, essa solução ao problema de produzir seus bens não se dá de modo pacífico, mas gera conflitos, tensões, que, por sua vez, terminam fazendo com que a sociedade venha a se modificar. Em outras palavras, as sociedades produzem seus bens de modo dialético, havendo conflitos entre classes sociais ou entre forças produtivas e relações de produção que movimentam suas histórias. A evolução histórica, portanto, não deriva de escolhas racionais e conscientes dos indivíduos e seus representantes, mas das contradições irracionais nas formas como os bens são produzidos.
Para entendermos um pouco melhor essa perspectiva materialista e a própria visão de sociedade, precisamos apresentar algumas noções fundamentais para o seu pensamento. O problema da produção de bens é resolvido pela articulação das forças produtivas e das relações de produção.
Produção = forças produtivas + relações de produção
As primeiras correspondem aos meios utilizados para a produção: trabalho, tecnologia (máquinas e conhecimentos) e matérias-primas. A capacidade de uma sociedade produzir depende desses três elementos: quanto mais deles possuir, mais pode produzir. Um país com muitos trabalhadores, quase todos qualificados, portador de tecnologia avançada e com muitos recursos naturais disponíveis tem tudo para ser uma grande potência.
Forças produtivas = trabalho + tecnologia + matérias-primas
Mas a capacidade de produção é posta à prova pelas relações de produção, as relações que se estabelecem entre as pessoas que participam do processo produtivo. As possibilidades são muitas. Imaginemos uma comunidade em que todos trabalhem juntos, transformando os recursos naturais que não pertencem a ninguém individualmente em bens que serão de todos, com poucos recursos tecnológicos. Num dado momento, alguns se apropriam das matérias-primas, outros dos recursos tecnológicos e a maioria dispõe apenas de seu tempo de trabalho que precisará ser negociado a fim de obterem bens indispensáveis à manutenção da vida. Entre ambas as situações, não há diferenças quanto às forças produtivas, que são rigorosamente as mesmas; a diferença reside nas relações de produção, havendo, no segundo caso, proprietários dos meios produtivos.
Relações de produção = relações entre as pessoas e as forças produtivas na produção
Ao estudar as sociedades existentes e seus modos de produção, Marx constata que nenhuma delas articula os meios de produção (trabalho, tecnologia e matéria-prima) de modo racional ou a privilegiar a concretização máxima da potencialidade humana de seus membros. Ao contrário: sempre surgem pessoas que passam a compor uma classe que controla a produção e deixa à maioria apenas a condição de ser trabalhador e levar uma vida miserável. Em outras palavras, desenvolvem-se relações produtivas que beneficiam os próprios proprietários dos meios de produção em detrimento da maioria da população. As sociedades são, assim, marcadas pela alienação.
Nas sociedades, uma classe controla a produção em benefício próprio, prejudicando a maioria
Ideologia, superestrutura e direito
No caso do capitalismo, a classe burguesa controla os recursos naturais e a tecnologia, direcionando o trabalho alheio para seu benefício próprio. A classe trabalhadora, composta pela esmagadora maioria da população, é alienada.
Uma questão atormenta Marx: como explicar que a maioria da sociedade aceite a alienação e as relações de produção que a causam? Se estão em maior número e são fundamentais para a sobrevivência da sociedade, por que não se unem e derrubam a minoria, rearticulando as relações de produção em benefício geral? A ideologia explica isso.
As relações de produção não são responsáveis apenas pelos bens materiais produzidos na sociedade, mas também pelos seus valores e pela sua visão de mundo. As sociedades alienadas produzem concepções ideais de si diferentes do que são na verdade. O conjunto dessas concepções distorcidas é chamado ideologia. Elas ocultam a essência das relações de produção, impedindo que a injustiça fundamental e a possibilidade de mudança sejam vistas.
Ideologia é a falsa percepção da realidade que oculta a exploração de uma classe por outra
A ideologia é composta pelas crenças religiosas, pelos valores morais, pelas concepções políticas e pela perspectiva do direito. Assim, numa primeira aproximação, para Marx, o direito é apenas uma ideologia. Suas ideias, como o respeito aos direitos humanos ou à dignidade da pessoa humana, são distorções que impedem a percepção da verdade concreta que se passa no modo de produção.
Direito é ideologia pois oculta que a sociedade capitalista não pode beneficiar a maioria
Juntamente com a ideologia, surge a noção de superestrutura: sobre a base econômica das relações de produção e das forças produtivas, surgem instituições que buscam, acima de tudo, a preservação da sociedade. Entre elas, podemos citar o Estado, o Poder Judiciário, os estabelecimentos educacionais. A atuação dessas instâncias é legitimada pelos valores ideológicos, preconizando que buscam o bem comum, quando, na verdade, apenas buscam o bem da classe dominante.
Superestrutura é o conjunto de instituições que buscam controlar a sociedade
Como o direito e o Poder Judiciário aparecem no pensamento de Marx ligados à ideologia e à superestrutura, não despertam seu interesse em termos de estudo. Depois de uma fase juvenil, sua obra madura não se aprofunda sobre esses temas, focando, preferencialmente, aspectos do modo de produção capitalista: suas relações e o desenvolvimento das forças produtivas que podem levar a seu colapso. Assim, a análise do direito no capitalismo será feita por autores marxistas que pensam após sua morte.
(outra versão deste texto aparece nas postagens de Sociologia do Direito)