Chegando ao ordenamento
22/08/2011Validade – reflexões
31/08/2011O conjunto de normas jurídicas chama-se ordenamento. Uma norma que pertence ao ordenamento é considerada válida e, portanto, pode ser qualificada de jurídica; uma norma que não pertence ao ordenamento, por outro lado, é considerada inválida e não-jurídica. Perguntar, sob o ponto de vista do direito, se uma norma é válida, corresponde, portanto, a perguntar se ela pertence ao ordenamento jurídico.
Como todo conjunto, o ordenamento é composto por elementos. Por exemplo, o conjunto dos algarismos pares é composto pelos elementos 0, 2, 4, 6, 8, combinados em qualquer ordem. Conforme o parágrafo inicial, deduzimos que o principal elemento do ordenamento é a norma jurídica, que pode assumir a forma de lei, sentença ou contrato (entre outras formas).
Mas, por mais simples que seja um conjunto, ele não possui apenas elementos. Há também uma estrutura, que delimita e organiza esses elementos. No caso do exemplo anterior, o conjunto dos algarismos pares possui uma estrutura bastante simples, delimitada pela suas regras de pertencimento: “ser algarismo” e “ser par”. Tais regras dão estrutura ao conjunto, delimitando suas fronteiras ao indicar quais elementos podem pertencer a ele e quais não podem pertencer. O algarismo 1, por ser ímpar, é excluído do conjunto pela regra de pertencimento “ser par”; já o número 10 é excluído do conjunto pela regra de pertencimento “ser algarismo”.
Alguns conjuntos tornam-se mais complexos à medida em que aumentam suas regras estruturais. Podemos aumentar a complexidade do conjunto dos algarismo pares acrescentando a regra estrutural “ordenados decrescentemente”. Agora, o conjunto dos “algarismos”, “pares”, em “ordem decrescente” teria uma forma específica: 8, 6, 4, 2, 0. Essa regra estabeleceu uma relação necessária entre os elementos. O algarismo 8 deve iniciar a série; há um único lugar possível para os demais algarismos, sendo o último deles ocupado pelo zero.
Tércio Sampaio Ferraz Júnior cita como exemplo uma sala de aula. Para que uma sala se transforme em um conjunto ao qual possamos denominar “sala de aula”, é necessário que haja uma estrutura que ordene os elementos presentes no espaço. Se, por exemplo, em uma sala houver carteiras, lousa, alunos e professor, isso não significa, necessariamente, que se trata de uma sala de aula. Se as carteiras e a lousa estiverem amontoadas em um canto, os alunos conversando em outro e o professor estiver lendo um livro, não podemos afirmar que se trate de uma sala de aula. Para tanto, há a necessidade de as carteiras estarem enfileiradas no sentido da lousa, o professor situar-se entre esta e os alunos e estes encontrarem-se sentados nas carteiras. Portanto, deve haver relações necessárias entre os elementos.
O ordenamento jurídico é um conjunto de alta complexidade. Isso significa, assim, que além das regras de pertencimento, indicando quais são seus elementos, há outras regras estruturais que estabelecem relações necessárias entre eles. De um modo genérico, podemos afirmar que existem três grandes grupos de regras estruturais: as regras de coesão, de coerência e de completude.
As regras estruturais de coesão estabelecem os limites do ordenamento jurídico e conferem a ele sua forma específica. Entre tais regras, encontra-se a validade, que estabelece os requisitos de pertencimento ao conjunto. Dela decorre outra regra de grande importância, a hierarquia, estabelecendo que existem normas jurídicas (e, portanto, válidas) superiores e mais fortes, e regras jurídicas inferiores e mais fracas. A produção de novas normas jurídicas é organizada pela regra estrutural das fontes do direito, estabelecendo requisitos para que se crie uma nova norma válida. A produção de efeitos das normas do ordenamento é delimitada no tempo pela regra da irretroatividade/retroatividade, especificando as situações em que uma norma pode regular situações no passado ou não. Ainda podemos destacar a regra estrutural da dinâmica do ordenamento, que estabelece os requisitos para que uma norma deixe de fazer parte do conjunto, tornando-se inválida e, logo, deixando de ser jurídica.
A consistência do ordenamento jurídico é obtida pela regra geral da coerência. Em sendo o direito um conjunto de normas que deve permitir a resolução de controvérsias com o mínimo de perturbação social, não podem existir duas normas que ofereçam, ao mesmo tempo, uma solução contraditória. Tal situação criaria uma antinomia (conflito de normas) e deixaria o operador do direito e a população em geral sem critérios para seus comportamentos. As antinomias devem ser solucionadas com a eliminação de uma das normas contraditórias, possibilitando ao direito oferecer uma solução única ao conflito. De um modo geral, a coerência é obtida a partir de outra regra estrutural citada acima, a hierarquia. Embora haja exceções, podemos afirmar que toda nova norma deve ser coerente com outras normas jurídicas superiores, ou seja, uma norma inferior não pode, em tese, contradizer outra superior.
Por fim, o ordenamento estrutura-se de modo completo, ou seja, há uma regra estrutural que pressupõe sua capacidade para resolver todos os conflitos sociais, ainda que seja necessária a criação de uma norma jurídica sentencial pelo juiz para suprir a ausência de uma norma jurídica legal. A regra estrutural da completude, assim, estabelece que eventuais lacunasdo ordenamento (ausência de leis pré-existentes que prevejam uma solução para um conflito social) serão preenchidas pelo juiz, caso a caso. Por outro lado, sob o ponto de vista dos destinatários sociais do direito, a completude manifesta-se na impossibilidade de alegação do desconhecimento da lei.
O ordenamento jurídico, portanto, é um conjunto complexo, cujo principal elemento é a norma válida e cuja estrutura é coesa, coerente e completa.