Normas éticas: tridimensionalidade
23/02/2011Normas éticas – análise comunicativa
28/02/2011As normas éticas são imperativas e suscetíveis de serem descumpridas. Elas referem-se a comportamentos que DEVEM SER respeitados, contendo em sua essência a possibilidade do descumprimento, pois dirigem-se a seres humanos, dotados da liberdade de escolher sua conduta.
O ideal seria que todos os membros de uma sociedade compreendessem a importância de buscarem a concretização dos valores consagrados pelas normas éticas em seus relacionamentos, manifestando ações de respeito mútuo e solidariedade, aperfeiçoando cada vez mais a vida comum. Todavia, esse ideal não se materializa. Nem sempre as pessoas se comportam dentro dos limites estabelecidos pelas normas éticas.
Para tentar minimizar o índice de descumprimento das normas éticas que limitam os comportamentos sociais, surgem outras normas (também éticas) chamadas “sanções”. A sanção, assim, é uma consequência atribuída à observância ou não de um comportamento previsto em uma norma ética anterior, que pode estimulá-lo ou reprimi-lo.
Numa sociedade hipotética, pode-se considerar proibido o comportamento de olhar os mais velhos diretamente nos olhos. Como nem todos podem vir a cumprir tal norma ética, cria-se (espontânea ou conscientemente) uma consequência negativa para aqueles que olharem nos olhos dos mais idosos: uma admoestação. Assim, se uma pessoa olhar nos olhos de outra mais idosa, DEVE SER aplicada a sanção, qual seja, uma bronca.
Na mesma sociedade, o Estado pode considerar inadmissível a conduta de um ser humano matar outro. Cria-se uma norma ética jurídica proibindo o homicídio (a vida deve ser respeitada). Para garantir que essa norma seja respeitada, o Estado cria outra norma ética jurídica, a sanção, determinando que se alguém matar outra pessoa, DEVE SER preso.
É importante fazer um apontamento: enquanto a norma ética que descreve os comportamentos sociais permitidos, proibidos ou obrigatórios se dirige para todos os membros da sociedade, a norma ética que descreve a sanção se dirige apenas àqueles que têm, na sociedade, a competência para tornar concreta a consequência. São essas pessoas que devem aplicá-la.
Nos nossos exemplos, a primeira sanção se dirige à própria pessoa que foi olhada nos olhos, que deve dar uma bronca no ofensor; a segunda, por sua vez, dirige-se aos funcionários do Estado que têm a competência para punir uma pessoa que tenha matado outra, que devem prender o homicida. Nos dois casos, ressalte-se, qualquer pessoa pode ser punida, mas somente algumas pessoas terão a competência de aplicar a sanção.
Outro apontamento necessário diz respeito ao fato de a sanção também ser, sob todos os aspectos, uma norma ética. É imperativa, violável e contrafática. Isso significa que nada ou ninguém pode garantir que a pessoa que DEVE aplicar a sanção realmente o faça. O senhor que foi olhado nos olhos pode não dar uma bronca no ofensor; o funcionário do Estado que deve prender o homicida pode não o fazer. Estamos, novamente, no reino da liberdade.
Muitas vezes, porém, a sanção se dirige a pessoas específicas e determinadas, que possuem algumas características que diminuem as possibilidades de não serem aplicadas. Assim, as sanções jurídicas dirigem-se a funcionários públicos que, caso não as apliquem às pessoas condenadas, correm sério risco de serem, eles próprios, vítimas de outras sanções e punidos.
É interessante notar que as sanções não são apenas consequências ruins dirigidas àqueles que violam as normas éticas. Podem ser também boas consequências, aplicadas àqueles que se comportam conforme os padrões normais.
As sanções “ruins” são chamadas de negativas. São punições que devem ser impostas àqueles que descumprirem outras normas éticas. Já as sanções “boas” são chamadas de positivas ou premiais e consistem em consequências benéficas atribuídas àqueles que cumprem outras normas éticas, tendo o objetivo de estimular esse comportamento.
Há inúmeros exemplos de sanções negativas, como a prisão, a multa e a perda de cargos. As sanções positivas podem consistir em descontos oferecidos a contribuintes que pagam seus tributos dentro de prazos determinados, em isenções tributárias a empresas que se instalam em determinadas regiões ou na concessão de honrarias a pessoas que fazem determinadas coisas.
Um aspecto interessante na análise da sanção é verificar como ela é aplicada. Dissemos que a sanção é uma norma ética dirigida a determinadas pessoas dentro das sociedades, que têm a competência para aplicá-las. Quem são essas pessoas? Há limites quanto ao grau da consequência?
Conforme a sociedade humana, há, sim, diferentes modos de se aplicarem as sanções e diferentes pessoas com a competência de fazê-lo.
Em determinadas sociedades, predomina o sistema da vingança social: quando uma pessoa descumpre uma norma ética de uma comunidade, deve ser aplicada, por toda essa comunidade, a sanção. Haverá, assim, uma punição coletiva contra o ofensor.
Noutros locais, surge a vingança privada: apenas a pessoa ofendida, ou sua família, podem aplicar a sanção contra o ofensor. A punição, nesse caso, torna-se personalizada, não sendo levada a cabo por todos os membros da coletividade.
A vingança privada passa a ser controlada por regras que delimitam o grau de sua abrangência. Em certos casos, o ofensor será submetido, pelo ofendido, à vontade dos deuses (ordálios); noutros, a vingança seguirá as regras dos duelos; ou ainda, a vingança será controlada pela regra do Talião, determinando que a sanção seja proporcional ao dano sofrido (“olho por olho, dente por dente”).
Nas sociedades contemporâneas é frequente a tentativa de monopólio estatal da sanção. Muitas regras estabelecem os critérios para sua aplicação, que se torna exclusividade dos funcionários do Estado, sobretudo nos casos das normas éticas jurídicas.
Em resumo, podemos dizer que a sanção consiste em uma norma ética que garante o comportamento previsto em outra norma ética. Ela se dirige a determinadas pessoas, que devem aplicá-la. No caso do direito, o Estado monopoliza essa aplicação.
Referências bibliográficas:
BETIOLI, Antonio Bento. Introdução ao Direito. São Paulo: Saraiva, 2011, lição VI.