Justiça Distributiva
17/12/2024Uberização do trabalho
14/01/2025O STF tem assumido uma função de árbitro em questões políticas e morais, resolvendo conflitos que muitas vezes extrapolam a esfera puramente jurídica (Bezerra & Silva, 2018; Silva, n.d.; Vasconcelos, 2020). Suas decisões frequentemente impactam a agenda política, redefinindo os limites do jurídico por meio de interpretações constitucionais que refletem pressupostos políticos (Arguelhes & Süssekind, 2018; Ribeiro, 2012). Essa atuação é característica do fenômeno conhecido como “judicialização da política”, em que o Judiciário se torna protagonista na resolução de questões tradicionalmente atribuídas ao Executivo e ao Legislativo (Lima, 2016; Oliveira, 2016; Andrade & Lima, 2022).
Na teoria dos sistemas sociais, o STF pode ser compreendido como o ponto de interseção entre os subsistemas político e jurídico. O tribunal desempenha o papel de tradutor, redefinindo os limites do jurídico ao interpretar a Constituição com base em pressupostos políticos. Essa posição o coloca no vértice entre os dois subsistemas, permitindo que ele exerça uma influência significativa sobre ambos.
Ao tomar decisões que interpretam ou revisam a Constituição, o STF introduz critérios políticos no sistema jurídico. Esse movimento ocorre porque a Constituição é uma norma que organiza não apenas o direito, mas também a vida política do país. Lynch (2024) observa que o STF age como um “ator político independente”, moldando políticas públicas e regulando conflitos institucionais. O exemplo da pandemia de COVID-19 ilustra bem essa dinâmica, quando o tribunal determinou diretrizes que influenciaram profundamente a atuação do Executivo na área de saúde (Wang, 2023; Oliveira & Madeira, 2021).
As decisões do STF frequentemente ultrapassam os limites tradicionais do Judiciário, estabelecendo parâmetros para ações do Executivo e do Legislativo. Por exemplo, ao decidir sobre questões de saúde pública, direitos humanos e políticas sociais, o tribunal assume uma postura ativa que orienta diretamente a implementação de políticas públicas (Falcão et al., 2013; Oliveira, 2017).
A interpretação das normas constitucionais pelo STF cria um espaço híbrido, onde princípios políticos e jurídicos se entrelaçam. Martins (n.d.) enfatiza que, ao agir como guardião da Constituição, o tribunal molda o cenário político de maneira significativa. Isso é evidente em ações como as Arguições de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPFs), que o tribunal utiliza para reinterpretar leis e direcionar o funcionamento de outras instituições.
A crescente judicialização da política reflete uma realidade em que o sistema político delega ao Judiciário a resolução de questões complexas, muitas vezes em função de ineficiências dos demais poderes (Lima, 2016; Andrade & Lima, 2022). Embora esse protagonismo político-institucional do STF seja visto como necessário em muitos casos, ele também levanta preocupações sobre os limites de sua atuação e o equilíbrio entre os poderes. Ramos et al. (2020) destacam que essa dinâmica exige uma reflexão contínua para evitar que o tribunal ultrapasse sua função institucional.
Conclusão
O STF exerce um papel único no Brasil, posicionando-se no vértice entre os subsistemas político e jurídico. Suas decisões não apenas interpretam a Constituição, mas também moldam os rumos do sistema político, influenciando a formulação de políticas públicas e regulando conflitos institucionais. Essa dinâmica reforça sua relevância como guardião da Constituição, mas também exige atenção aos limites de sua atuação para preservar o equilíbrio entre os poderes.
Referências:
ANDRADE, A. and LIMA, G. (2022). Decisão judicial e neoliberalismo: preservação hegemônica do supremo em face da agenda do executivo. Revista Brasileira De Teoria Constitucional, 8(1). https://doi.org/10.26668/indexlawjournals/2525-961x/2022.v8i1.8691
Arguelhes, D. and Ribeiro, L. (2016). Criatura e/ou criador:transformações do supremo tribunal federal sob a constituição de 1988. Revista Direito Gv, 12(2), 405-440. https://doi.org/10.1590/2317-6172201617
Arguelhes, D. and Süssekind, E. (2018). Judicialização antes da democratização? o supremo tribunal federal e o destino da emenda constitucional das “diretas já”. Pensar – Revista De Ciências Jurídicas, 23(4), 1-16. https://doi.org/10.5020/2317-2150.2018.7211
Bezerra, S. and Silva, A. (2018). Decisões contraditórias no stf: discricionariedade ou arbitrariedade?. Revista Brasileira De Teoria Constitucional, 4(2), 107. https://doi.org/10.26668/indexlawjournals/2525-961x/2018.v4i2.4840
Carvalho, I. and Santana, L. (2022). Da judicialização da política à atuação dos ministros do supremo tribunal federal no twitter. Caderno Eletrônico De Ciências Sociais, 10(1), 133-146. https://doi.org/10.47456/cadecs.v10i1.39682
Falcão, J., Cerdeira, P., & Arguelhes, D. (2013). I relatório do supremo em números – o múltiplo supremo. Revista De Direito Administrativo, 262, 399-452. https://doi.org/10.12660/rda.v262.2013.8913
Lima, F. (2016). Perdedores no congresso nacional e no stf? a judicialização das questões interna corporis do legislativo. Revista Jurídica Da Presidência, 18(115), 307. https://doi.org/10.20499/2236-3645.rjp2016v18e115-1259
Lopes, T. (2024). A mítica do juiz hércules na resolução de hard cases: um estudo do julgamento do tema 786 do stf. Seara Filosófica, (25), 47-67. https://doi.org/10.15210/searafilosofica.vi25.26551
Lynch, C. (2024). Capas pretas, um arsenal de livros, a constituição. Rei – Revista Estudos Institucionais, 10(2), 270-298. https://doi.org/10.21783/rei.v10i2.829
Martins, R. Pontos de divergência: supremo tribunal federal e comportamento judicial.. https://doi.org/10.11606/t.8.2019.tde-06022019-131330
Neto, C. and de, J. Como pensam os ministros do stf? direito, política e guarda da constituição no pós-1988.. https://doi.org/10.26512/2016.02.d.19861
Oliveira, F. (2016). Agenda suprema – interesses em disputa no controle de constitucionalidade das leis no brasil. Tempo Social, 28(1), 105. https://doi.org/10.11606/0103-2070.ts.2016.106021
Oliveira, F. (2017). Judiciário e política no brasil contemporâneo: um retrato do supremo tribunal federal a partir da cobertura do jornal folha de s. paulo. Dados, 60(4), 937-975. https://doi.org/10.1590/001152582017139
Oliveira, V. and Madeira, L. (2021). Judicialização da política no enfrentamento à covid-19: um novo padrão decisório do stf?. Revista Brasileira De Ciência Política, (35). https://doi.org/10.1590/0103-3352.2021.35.247055
Ramos, E., Rosário, P., & Miranda, S. (2020). Judicialização e ativismo judicial em perspectiva: uma análise a partir das experiências das supremas cortes do brasil e do canadá. Revista Juridica, 1(54), 425. https://doi.org/10.21902/revistajur.2316-753x.v1i54.3753
Ribeiro, L. and Arguelhes, D. (2019). Contextos da judicialização da política: novos elementos para um mapa teórico. Revista Direito Gv, 15(2). https://doi.org/10.1590/2317-6172201921
Ribeiro, R. (2012). Política e economia na jurisdição constitucional abstrata (1999-2004). Revista Direito Gv, 8(1), 087-108. https://doi.org/10.1590/s1808-24322012000100004
Rodrigues, F. (2023). Controlando a classe política: comportamento judicial, controle criminal e relação entre poderes no supremo tribunal federal. Política & Sociedade, 21(52), 134-162. https://doi.org/10.5007/2175-7984.2022.e90213
Silva, R. O supremo tribunal federal e o controle de constitucionalidade de leis eleitorais (1988-2016).. https://doi.org/10.26512/2017.02.d.23398
Steinmetz, W. (2020). Protagonismo político-institucional do supremo tribunal federal e covid-19: uma conjectura a partir da adpf 669. Espaço Jurídico Journal of Law [Ejjl], 21(2), 551-562. https://doi.org/10.18593/ejjl.26595
Vasconcelos, N. (2020). Solução do problema ou problema da solução? stf, cnj e a judicialização da saúde. Rei – Revista Estudos Institucionais, 6(1), 83-108. https://doi.org/10.21783/rei.v6i1.461
Wang, D. (2023). O stf e as medidas para prevenção e tratamento da covid-19. Revista Direito Gv, 19. https://doi.org/10.1590/2317-6172202336
Share this:
- Click to share on WhatsApp (Opens in new window)
- Click to share on Twitter (Opens in new window)
- Click to share on LinkedIn (Opens in new window)
- Click to share on Mastodon (Opens in new window)
- Click to share on Telegram (Opens in new window)
- Click to share on Reddit (Opens in new window)
- Click to share on Facebook (Opens in new window)
- Click to share on Tumblr (Opens in new window)
- More