Platão (428 a.C. – 348 a.C.)

Platão: verdade e ética

Platão foi o mais ilustre discípulo de Sócrates. Graças a ele, inclusive, conhecemos o pensamento socrático. Suas teorias levam adiante a missão do mestre, buscando a sabedoria de modo incessante e consolidando a crença de que a descoberta da verdade leva à ação correta.

Devemos duas grandes obras a Platão: a Academia e os diálogos. Quanto à primeira, o filósofo construiu uma escola que é considerada o primeiro instituto de investigação filosófica do ocidente. Constituída por salas de aula, uma biblioteca e um auditório, foi frequentada pelas principais personalidades gregas, como matemáticos, astrônomos, políticos e filósofos (Aristóteles estudou na Academia por vinte anos).

A Academia combatia outra escola, a Escola de Retórica, fundada pelo sofista Isócrates, que ensinava valores éticos e políticos. Seguindo a linha socrática, os alunos da Academia aprendiam a pensar, a buscar a verdade e a autodeterminação ética e política.

Havia dois cursos: o curso básico (“exotérico”, voltado para o público externo) e o curso avançado (“esotérico”, voltado para o público interno, composto por filósofos). Para facilitar a compreensão do primeiro curso, Platão escreveu os diálogos.

Por meio desses textos, portanto, Platão expõe os conceitos básicos da filosofia e revela muitas das ideias de seu mestre, Sócrates. São muito bem escritos, constituindo-se não apenas documentos filosóficos, mas também literários. Porém, revelam tão somente a face “exotérica” do autor, não permitindo o conhecimento dos conteúdos ministrados no curso “esotérico”. Ainda assim, perfazem uma herança de valor inestimável.

Devemos destacar a postura platônica e de sua escola de combater aos sofistas e sua “retórica”. Conforme a perspectiva de Platão, a Retórica ensinaria aos jovens a arte do convencimento por meio da sedução e do prazer causados pelas palavras e pelos argumentos pré-elaborados. Não teria a capacidade de convencer pela força racional de suas teses, única capaz de levar à verdade. Assim, a retórica tornar-se-ia a arte do logro e do engano, afastando seus adeptos do conhecimento.

Chegamos, aqui, à concepção platônica de verdade. Haveria dois planos ou “mundos” em nossa existência: um plano superior, onde estão as ideias, e um plano inferior, onde está o real. Nós viveríamos no plano da realidade, rodeados por coisas e fenômenos aparentes, os quais podemos detectar por meio dos sentidos. Nesse plano, todavia, obtemos apenas um conhecimento deformado, ilusório, que afasta da verdade.

 

A verdade situar-se-ia no plano das ideias, sendo compreendida pelo intelecto, por meio de um processo, chamado de dialética. Os seres humanos, portadores da capacidade intelectual, deveriam afastar-se da ilusão trazida pelos sentidos e pelas opiniões consensuais, compreendendo racionalmente a ideia e chegando, assim, à verdade.

Verdade = ideia racional

Em sendo Platão discípulo de Sócrates, reafirma a tese de que o conhecimento verdadeiro leva ao Bem, pois faz com que as pessoas ajam de maneira correta. Em última instância, os sábios tornam-se felizes, pois não se iludem e não agem de modo errado.

Conhecimento da verdade permite a boa ação

A concepção platônica de Ética, todavia, torna-se um pouco mais refinada se considerarmos que pressupõe a Teoria da Alma. Conforme essa teoria, nossa alma estaria dividida em três partes, cada qual cuidando de determinadas funções do organismo:

1.       Apetitiva – esta parte da alma cuidaria da manutenção e da reprodução do corpo vivo, causando as sensações apetitivas de fome, de sede e de desejo sexual, por exemplo.

2.       Colérica – esta parte da alma cuidaria da segurança do corpo vivo, causando as sensações de medo e de fúria ou coragem.

3.       Racional – esta parte da alma, situada na cabeça, corresponderia à capacidade intelectual, colocando a pessoa em contato direto com o mundo das ideias e permitindo a descoberta da verdade.

Cada função da alma, assim, corresponde a uma necessidade do ser humano. Enquanto as funções apetitiva e colérica cuidam de manter e proteger o corpo vivo, sendo, portanto, mortais, a função racional é imortal e permite ao ser abstrair-se do plano real. O nosso conceito atual de alma corresponderia a essa função específica.

A Teoria da Alma seria plena e harmônica se as partes de nossa alma atuassem em um sentido cooperativo. Mas não é o que observa Platão. Haveria uma verdadeira disputa entre elas para controlar o corpo vivo, cada qual buscando sobrepor-se às demais.

É impressionante o vigor da análise platônica para detectarmos, inclusive, males do presente. Se numa pessoa prevalece a parte apetitiva da alma, então sua vida estará pautada por apetites exagerados, como o desejo por comida, por bebida e/ou por sexo. Atualmente ainda podemos acrescentar o desejo insaciável pelo consumo de mercadorias e pela acumulação de riquezas.

Por outro lado, se numa pessoa prevalece a parte colérica da alma, notaremos um excesso de medo ou um excesso de coragem ou fúria pautando seus atos. Tratar-se-á de uma pessoa que não tem iniciativa por tudo temer, ou de uma pessoa extremamente impaciente e irritada, muito agressiva em seus atos.

O ideal, para Platão, seria que a parte racional da alma governasse as outras duas, impedindo que o indivíduo agisse motivado por razões coléricas ou apetitivas. O controle exercido pela razão sobre a função apetitiva é a moderação; já o controle exercido sobre a função colérica é a prudência. Os homens, antes do mais, deveriam ser moderados e prudentes, permitindo à parte racional investigar o mundo das ideias em busca do conhecimento e nortear a conduta.

Se vimos que Sócrates considerava indispensável o indivíduo pensar antes de agir, buscando sempre conhecer seus atos, para ser uma pessoa ética, Platão traz contornos mais específicos para essa crença. Só o indivíduo moderado e prudente pode agir racionalmente, praticando o Bem e sendo feliz. Também de um modo socrático, poderíamos dizer que se trata da concretização do “conhece-te a ti mesmo”, em termos mais específicos: identifica teus impulsos coléricos e apetitivos e os controla com tua razão.

Ética = controle dos apetites e da cólera pela razão

Referências:

BILLIER, Jean-Cassier e MARYIOLI, Aglaé. História da Filosofia do Direito. Barueri: Manole, 2005, cap. 2 (item 3) – pp. 67 a 79.

CHAUÍ, Marilena. Introdução à história da filosofia.

MASCARO, Alysson Leandro. Filosofia do Direito. São Paulo: Atlas, 2009, cap. 4.

Platão: a cidade e as leis (A política e o direito)

No texto República, Platão discorre sobre a política, ou seja, a organização ideal das cidades. Sua análise parte da constatação de que existem grupos de pessoas responsáveis por funções similares àquelas que vislumbra na alma humana. Haveria, pois, um paralelo entre as funções da alma e da cidade:

1.       função apetitiva – função econômica;

2.       função colérica – função militar;

3.       função racional – função legislativa.

Do mesmo modo como na alma, as funções urbanas não estariam em harmonia. Haveria constante disputa entre elas, para controlar a cidade. A maioria da população exerceria atividades econômicas-apetitivas: artesãos, comerciantes e agricultores. Outra parcela exerceria a função militar, sendo composta pelos guerreiros, em menor número. Por fim, haveria uma classe de legisladores, responsáveis pela feitura das leis.

Nas cidades reais, a função legislativa é conquistada pelos grupos econômicos ou militares, levando à elaboração de leis com o predomínio dessas características. Segundo Platão, o ideal seria que os legisladores fossem filósofos e pudessem criar livremente as leis, que seriam prudentes e moderadas.

Sabendo que as normas trazem limites aos atos humanos no sentido da concretização de valores, uma norma elaborada por um mercador ou uma norma elaborada por um guerreiro buscaria a concretização de valores econômicos ou militares, moldando uma cidade que se oporia à concretização dos ideais ligados à justiça. Em outras palavras, quanto mais a cidade for construída em desacordo com os princípios ideais de justiça e do Bem, mais difícil torna-se para cada cidadão ser uma pessoa prudente e moderada, chegando verdadeiramente à felicidade.

Uma cidade governada por filósofos será regida por normas que limitam os fatos no sentido da concretização da justiça e do Bem. Viver em conformidade com tais normas significa viver de um modo prudente e moderado, levando as pessoas a um passo da felicidade.

Uma cidade assim organizada tornar-se-ia justa. Para o pensador, portanto, a ideia de justiça seria natural e racional. Os filósofos, usando a função racional, descobririam a ideia de justiça, governando em nome do bem comum.

Cidade justa = leis racionais organizando a economia e o exército

Ainda na República, Platão questiona a ideia dos sofistas, pensadores rivais de sua época, que diziam ser o medo da sanção de uma lei o verdadeiro fundamento dos atos justos. Para eles, as pessoas somente agiam de modo justo para evitar a punição. Platão nega essa tese e reforça a noção de justiça como ideia racional, acessível aos humanos, capaz de, por si, fundamentar seus atos.

Justiça = ideia natural e racional

A utopia platônica de uma cidade governada por filósofos leva a dois problemas:

1. As normas criadas pelos filósofos devem corresponder ao ideal de justiça e do Bem. Por um lado, por uma necessidade concreta de trazer parâmetros de conduta aos grupos econômicos e militares, essas normas devem ser escritas. Porém, ao escrever uma norma, o filósofo afastar-se-ia do ideal, que não pode ser escrito. Assim, por mais geral e abstrata que seja a norma do filósofo, nunca será tão geral e abstrata quanto a ideia.

Tendo-se em vista a insegurança que a ausência de normas escritas causaria, Platão opta pela sua existência. Se feitas por filósofos, ao menos, essas normas escritas atingiriam o grau máximo de abstração e generalidade suscetível de ser alcançado por elas. Isso, por outro lado, causa outro problema: ainda que menos gerais e abstratas do que as ideias, tais normas são, por vezes, distanciadas em excesso dos fatos concretos, não correspondendo, por vezes, às necessidades reais de uma cidade.

Se levado ao extremo o ímpeto racional dos filósofos, todas as cidades terminariam por se reger pelas mesmas normas, dado o seu teor de proximidade das ideias, que são universais. Isso poderia levar a situações particulares de injustiça.

2. Outro problema verificado na utopia platônica ocorre na ausência do pré-requisito para a elaboração de uma boa norma: o legislador ser um filósofo. Caso as normas sejam elaboradas por legisladores filósofos, aproximar-se-ão o máximo possível dos ideais e do Bem; se não forem feitas por filósofos, porém, serão injustas e prejudicarão a devida organização da cidade.

Platão é claro, neste momento, ao defender que uma norma feita por grupos econômicos e militares distancia-se do justo e não deve ser obedecida. Sua postura pode causar sérios transtornos, trazendo perspectivas sérias de desobediência civil.

Os dois problemas ora apontados são, de certa forma, solucionados na última obra platônica, As leis. Podemos notar uma modificação no pensamento do filósofo, que passa a exigir, digamos, um grau menor de generalidade e abstração para as normas.

Nesse texto, ele valoriza os costumes de cada cidade em particular. Embora tais costumes correspondam a hábitos reais e, portanto, distante das ideias, ele passa a reputá-los importantes para a identificação de um justo não mais ideal, mas meramente adequado para a cidade em específico. Esse justo político não se coloca em um grau de generalidade e abstração somente acessível a filósofos; agora, ao contrário, está em um patamar que pode ser atingido por qualquer pessoa, bastando, para tanto, ser minimamente prudente e moderado.

Os dois problemas citados acima podem ser resolvidos. Por um lado, a forma escrita da lei é mais do que suficiente para exprimir o justo político; por outro, as normas deixam de ser excessivamente gerais e abstratas para trazer justiça aos problemas concretos da cidade.

Além disso, o segundo problema é superado pois as normas não precisam ser feitas exclusivamente por filósofos para atingir o justo político. Como afirmado, mesmo comerciantes, artesão, agricultores e militares, agindo com prudência e moderação, podem fazer boas normas para suas cidades. Desaparece o fundamento para a desobediência civil.

As reflexões revelam que Platão, longe de ser um filósofo cujo pensamento pode-se reduzir a um sistema completo e coerente, é marcado pelas tensões. Seu pensamento é tenso ao opor o real ao ideal e a norma a ambos. Também é um pensamento que se modifica ao longo de seus diálogos, revelando um constante movimento em busca da verdade. Há, em seu último texto, a busca de um equilíbrio já próprio de seu mais ilustre discípulo, Aristóteles, o filósofo do justo-meio.

Referências:

BILLIER, Jean-Cassier e MARYIOLI, Aglaé. História da Filosofia do Direito. Barueri: Manole, 2005, cap. 2 (item 3) – pp. 67 a 79.

CHAUÍ, Marilena. Introdução à história da filosofia.

MASCARO, Alysson Leandro. Filosofia do Direito. São Paulo: Atlas, 2009, cap. 4.

 


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