Normas éticas: tridimensionalidade

Quando nos referimos a normas éticas, devemos sempre ter em mente que correspondem a apenas uma das pontas de um fenômeno tridimensional que também envolve fatos e valores.

Os fatos sociais são aqueles acontecimentos que, por derivarem de ações humanas culturais, concretizam determinados objetivos, aos quais denominamos valores. Os valores são justamente os objetivos perseguidos pelos seres humanos em seus atos culturais.

As normas éticas partem da constatação de que nem sempre os fatos sociais realizam os valores mais desejáveis para a sociedade. Para evitar que valores indesejáveis se concretizem, elas limitam as possibilidades de escolha das pessoas envolvidas nos fatos, direcionando-as a objetivos socialmente aceitos, por meio de permissões, proibições e obrigações.

Os três elementos, fato, valor e norma, sempre se fazem presentes em situações envolvendo a conduta ética humana. Também não podemos esquecer que ambos se somam para explicar o fenômeno normativo.

Podemos ilustrar com um exemplo. Imaginemos uma situação concreta na qual uma pessoa trabalhe muito e receba um salário pequeno. Podemos avaliar essa situação a partir de um valor, a proporção ou o “equilíbrio entre as prestações”: como houve um desequilíbrio na troca entre o trabalhador e seu empregador, diremos que a situação, sob tal ponto de vista, é injusta e indesejável. O desejável seria que, se a pessoa trabalha muito, seu salário fosse elevado.

Estudiosos podem constatar que a situação descrita se repita com frequência em nossa sociedade, descrevendo o fenômeno por meio de normas culturais compreensivas sociológicas ou econômicas. Inspirados por tais descrições, os legisladores podem reputar necessário dirigir a sociedade para o rumo correto, realizando o valor “equilíbrio entre as prestações”. Esse direcionamento dar-se-á mediante a criação de uma norma ética afirmando que o salário deve ser equivalente à quantidade de trabalho e estabelecendo uma punição para aqueles que a descumprirem.

Nosso exemplo é fictício. Será que poderia ocorrer na prática? Será que, numa sociedade capitalista, o valor do salário de todos os trabalhadores poderia ser equivalente à quantidade de trabalho? Economicamente, isso seria impossível. Sem o desequilíbrio entre o valor do salário e o tempo de trabalho, não há produção de lucro. Sem a produção de lucro, o capitalismo não prospera.

Porém, a norma ética pode refletir um grau de desequilíbrio que seja o menor possível dentro da sociedade. A diferença entre o valor do salário e a quantidade de trabalho pode ser apenas aquela que permita sobrevivência lucrativa das empresas. Então, o valor se concretiza nos limites das possibilidades sociais.

A norma ética, assim, corresponde a um equilíbrio socialmente possível entre o valor desejável e as condições fáticas da realidade. Não faz sentido pensarmos nela sem pensarmos nos fatos e nos valores a que se referem.

Esse equilíbrio é sempre momentâneo. A evolução social modifica os fatos e os valores ininterruptamente. Tais mudanças exigem que as normas éticas sejam também alteradas, a fim de se atualizarem. Nem sempre, entretanto, esse ritmo de atualização normativa acompanha o ritmo das transformações sociais, deixando muitas normas éticas defasadas.

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